O renascimento da polêmica sobre uso de casacos de peles de animais
Uma recente reviravolta de humores mudou o curso da história

Era para ser uma vitória da sensatez, uma basta a supostas travessuras de meninas más. Depois de duas décadas de saudáveis protestos, liderados por entidades como a Peta, ONG em defesa dos direitos dos animais, ruidosa como ela só, os casacos de pele — de focas, chinchilas, raposas e linces — voltaram aos armários para supostamente nunca mais de lá saírem. O movimento, como aceno compulsório à sustentabilidade, pôde ser medido em cifras. De acordo com a Fur Free Alliance, a produção desse tipo de vestuário caiu 85% em dez anos. Mais de 20 milhões de bichos foram mortos em 2023 — em 2014, contudo, contavam-se 140 milhões. O número de fazendas de peles na União Europeia caiu de 4 350, em 2018, para 1 088, em 2023.

Parecia tudo bonito e resolvido, mas não. As peles estão de volta, em versões reais e sintéticas. Celebridades como Kendall Jenner, Hailey Bieber, Ice Spice, Kim Kardashian, Taylor Swift e Rihanna foram vistas recentemente ostentando casacos de pele. Eles reapareceram nas passarelas das coleções de outono e inverno de grifes como Tory Burch, Simone Rocha, Fendi e Miu Miu. Até mesmo a estilista uruguaia Gabriela Hearst, conhecida por seu “luxo com consciência”, utilizou casacos antigos de pele de vison em suas novas criações. Marcas como Prada (36% da coleção) e Dolce & Gabbana (35%) trouxeram o material de volta à ribalta na recente, badalada e influente Semana de Moda de Paris.
Essa volta ao passado desafia frontalmente o discurso de sustentabilidade que ganhou corpo nos últimos tempos. Em certo sentido, a moda vem no embalo do crescimento da onda conservadora no planeta. O empoderamento dessa visão de mundo deu sinal verde para muita gente virar as costas para as pautas que costumam ser defendidas pela esquerda, das políticas afirmativas aos cuidados com o meio ambiente. É reflexo de um tempo difícil. As companhias fazem silêncio, de olho gordo nos negócios. Apenas a Fendi, que nunca escondeu a predileção por cortes a partir da fauna, defendeu a tradição — salientando, por óbvio, o cuidado para não maltratar os bichos. No caso das versões artificiais, a polêmica continua: celebradas como alternativa coerente, elas também ferem o ambiente, pois são fabricadas a partir de microplásticos não biodegradáveis.

A tendência nostálgica, digamos assim, renasceu em 2024. Depois de quase uma década abafada, ela foi plantada no onipresente TikTok, com a explosão da estética mob wife, ou esposa da máfia. Casacos de pele reais ou falsos, estampas de animais, acessórios dourados e penteados volumosos evocavam o glamour de personagens icônicas da máfia como Carmela Soprano, interpretada por Edie Falco na TV, e Connie Corleone, imortalizada por Talia Shire no cinema, no clássico O Poderoso Chefão. O vento ganhou força alimentado pelo 25º aniversário da clássica série Família Soprano e um inverno rigoroso nos Estados Unidos.
Há tentativas de reduzir as críticas em torno desse revival. Uma saída tem sido o consumo de peças vintage, usadas, atalho para promover a chamada moda circular. No Brasil, estilistas reputados como Fábio Souza e Lino Villaventura incorporaram peles antigas em suas coleções. “Fiz um vestido mosaico com retalhos de pele de cobra guardados há muito tempo, para não jogar fora”, diz Villaventura. É iniciativa correta, mas longe de estar imune às críticas. “A problemática cadeia produtiva se mantém, mesmo com o apelo da reutilização”, diz Claudia Castanheira, ativista do Fashion Revolution Brasil.

Qual é, então, a estrada a ser tomada, já que não dá para eliminar o gosto dos outros pelas peles, e a estética não se muda por decreto? Ideias brotam aqui e ali. A francesa LVMH investe em fibras de pele cultivadas em laboratório. A americana Savian aposta em uma “falsificação” 100% vegetal, adotada por nomes como Stella McCartney. Outras companhias usam plumas e poliéster reciclados, menos poluentes. Em um século marcado por desafios ambientais, a insistência em vestir peles, de animais ou derivadas de combustíveis fósseis, parece anacrônica e, para muitos, de mau gosto. A última decisão sobre o futuro do negócio será alinhavada, no fim das contas, pelos consumidores.
Publicado em VEJA de 17 de abril de 2025, edição nº 2940