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Onda do BeReal, com imagens sem filtros nem retoques, ganha a rede

Incomodadas com a perfeição exposta no Instagram e em outras plataformas, as pessoas estão aderindo em massa à tendência

Por Duda Monteiro de Barros Atualizado em 4 jun 2024, 11h34 - Publicado em 22 out 2022, 08h00

Nada dura para sempre, e a instalação da internet no centro da vida no planeta acelerou ainda mais a transitoriedade de fenômenos altamente populares. Entra nessa conta o crescente aborrecimento de muita gente com as imagens perfeitas, obtidas através de filtros, edição e montagem, disseminadas no Instagram e em outras redes sociais de gigantesco trânsito. Prova do cansaço com os padrões irrepreensíveis de beleza é a enorme adesão, sobretudo entre os jovens, a um aplicativo que é o oposto disso: o BeReal, que se propõe a mostrar as pessoas e seu entorno como realmente são. Lançado na França em 2020 pelos programadores Alexis Barreyat e Kévin Perreau, o BeReal impede o uso de filtros e imagens editadas e só permite postagem uma vez por dia, em horário aleatório — o usuário recebe uma notificação a qualquer momento e tem apenas dois minutos para abrir a câmera, tirar uma foto de si mesmo, virar e fazer outra do que está a sua frente. Depois é publicar e aguardar para ver as imagens dos demais participantes.

De acordo com a Forbes, a plataforma já foi baixada mais de 4 milhões de vezes — e continua crescendo vertiginosamente. No primeiro trimestre de 2022, tornou-se um dos quatro aplicativos com maior registro de downloads do planeta, avançando 315%. Em setembro, progrediu para app mais baixado nos Estados Unidos, superando Instagram, TikTok, Snapchat e Pinterest. Dentro do próprio Instagram, a tag #bereal já apareceu em mais de 1,6 milhão de posts compartilhando as imagens sem filtro postadas no concorrente.

SUCESSO - BeReal em loja virtual: criado em 2020, já é o quarto aplicativo mais baixado no mundo -
SUCESSO - BeReal em loja virtual: criado em 2020, já é o quarto aplicativo mais baixado no mundo – (Jakub Porzycki/NurPhoto/Getty Images)

No Brasil, a adesão é mais recente, mas também fulminante: entre abril e junho, o número de downloads disparou 3 000% em relação aos três meses anteriores, conquistando inclusive celebridades mais do que acostumadas a filtros e Photoshop, como Larissa Manoela, Maisa, Chay Suede e Carolina Dieckmann. Os usuários são unânimes em ressaltar a sensação de honestidade embutida no conceito do BeReal e celebrar a possibilidade de se ver e ver os amigos sem truques. “A ideia de não ter uma produção prévia é totalmente diferente do que estamos acostumados”, explica o ator carioca Matheus Boas, 21 anos, que também aprecia o fato de, no aplicativo, o número de seguidores e curtidas não ter a menor importância.

As queixas contra a ilusão de perfeição representada no mundo virtual se avolumam à medida que mais pessoas relatam problemas sérios de ansiedade e baixa estima. “A dinâmica tradicional pode ser muito nociva para a saúde mental. As pessoas comparam sua realidade com a dos outros, que sempre parecem mais felizes, mais sarados e mais interessantes”, explica a psicóloga Anna Bentes, especialista em mídias digitais. Pesquisa da Fundação Getulio Vargas (FGV) mostrou que 41% dos jovens se sentem tristes ou depressivos depois de navegar em alguma rede e 32% das mulheres revelam insatisfação com sua imagem quando acessam o Instagram. “Lá, é como se todos fossem irretocáveis, menos eu. Por isso o que quero agora é ver gente normal, com rotinas normais, longe dos milhares de filtros. É um alívio”, desabafa a artista visual baiana Isadora Sarno, 26 anos, cansada da sensação de não ser “instagramável”.

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SEM DRAMA - “A ideia de não ter produção prévia é totalmente diferente do que estamos acostumados”, diz o ator carioca Matheus Boas, adepto do BeReal. Ele elogia a chance de ver fotos “de verdade” de si mesmo e dos amigos e se sente aliviado com a ausência de curtidas e de seguidores na nova rede social -
SEM DRAMA – “A ideia de não ter produção prévia é totalmente diferente do que estamos acostumados”, diz o ator carioca Matheus Boas, adepto do BeReal. Ele elogia a chance de ver fotos “de verdade” de si mesmo e dos amigos e se sente aliviado com a ausência de curtidas e de seguidores na nova rede social – (@matheus.boa/Instagram)

A bem da verdade, o fascínio pelas imagens não adulteradas também tem lá sua dose de ansiedade e até de possíveis fraudes. O estudante de direito carioca José Renato Vilarnovo, 20 anos, confessa que fica meio angustiado aguardando o sininho que avisa o instante de publicar no BeReal. “Mesmo sendo ‘ao vivo’, ninguém quer aparecer de qualquer jeito na foto”, justifica. Já há quem passe o dia se aprontando para o grande momento. “Quando a naturalidade vira moda, ela deixa de ser despretensiosa. Todos querem se mostrar fazendo coisas interessantes e usam o curto tempo disponível para posar em seu melhor ângulo”, ressalta Marina Roale, especialista em antropologia do consumo.

Atentas ao sucesso do mundo sem retoques, as redes concorrentes procuram se adaptar. O TikTok lançou em setembro o TikTok Now, quase igual ao BeReal: uma vez por dia, o usuário é convidado a publicar uma foto ou vídeo de até dez segundos mostrando o que está fazendo naquele instante. “É cedo para dizer se o aumento expressivo das buscas pelo BeReal é uma modinha passageira ou se mostra uma tendência por parte dos usuários a consumir conteúdos gerados por pessoas reais”, diz Diego Ivo, CEO da Conversion, empresa de dados e inteligência que mapeou um aumento de 100% das buscas pelo aplicativo no Brasil em uma única semana de setembro. Incontestável mesmo nisso tudo é o fato de que, retocadas ou não, as pessoas em geral não resistem à tentação de postar a própria imagem nas redes.

Publicado em VEJA de 26 de outubro de 2022, edição nº 2812

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