Pesquisa encontra pela primeira vez um padrão no cérebro dos otimistas
Trata-se de algo inato que pode, e deve, ser cultivado, pelo potencial de benefícios que traz

Com o mundo sacudido por guerras, em constante alerta ambiental e rachado por elevados graus de polarização, é natural ver vicejar um pessimismo sobre o futuro. Mais surpreendente, porém, é que a turma dos otimistas siga firme e forte, se atendo justamente àquela metade cheia do copo, sem se deixar levar pelas intempéries da história. Não é por obra do acaso que essa fatia da humanidade se notabiliza pela positividade: a engrenagem que faz com que ela tenda a apostar no bom desfecho faz sabidamente parte de um mecanismo evolutivo mais pronunciado em uns do que em outros, uma valiosíssima ferramenta para o caminhar da espécie. A novidade nesse ascendente campo de estudos é o que revela um inédito mergulho nas profundezas do cérebro do otimista — uma vasta investigação que desvenda essa postura perante as asperezas da vida.

Para mapear tais engrenagens na mente, pesquisadores da Universidade de Kobe, no Japão, submeteram uma centena de representantes do grupo, previamente pinçados por meio de testes psicológicos, a sucessivas ressonâncias magnéticas enquanto eram estimulados a imaginar cenários hipotéticos de diferentes matizes: de uma viagem espetacular à perda repentina do emprego. A conclusão, recém-publicada pela Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, pela primeira vez traçou algo como a fisiologia do otimismo. Os indivíduos claramente mais positivos exibiram ondas de pulso elétrico de impressionante semelhança em uma mesma região voltada para a razão — o córtex pré-frontal medial, zona crucial para tomada de decisões e planejamento (veja a ilustração). Já os pessimistas exibiram uma dinâmica neural irregular, da qual não foi possível extrair um padrão.
Um conjunto de pesquisas sustenta que a positividade se desdobra em efeitos palpáveis, sobretudo no terreno do comportamento. Entre os achados de especialistas das universidades americanas de Michigan e Syracuse, que por quatro anos dissecaram o tópico, está a constatação de que privilegiar o lado bom torna o indivíduo mais resistente a adversidades e mais propenso ao bem-estar quando exposto a altos níveis de estresse, os quais costuma amenizar selando relacionamentos saudáveis e escapando de um dos grandes males contemporâneos: a solidão. “O otimismo ajuda as pessoas a se conectarem umas às outras”, enfatiza a psicóloga Jeewon Oh, de Syracuse.

A pesquisa da Universidade de Kobe escalou um degrau ao descrever um ciclo virtuoso que se desenrola entre otimistas de plantão. “Como eles estão tecnicamente em sintonia parecida, tendem a interagir muito bem entre si, o que pode explicar seu visível sucesso social”, disse a VEJA Kuniaki Yanagisawa, coordenador do estudo. Todos os seres humanos possuem em algum grau a capacidade inata de acreditar que driblarão as dificuldades na trilha da sobrevivência, como sublinha a neurocientista Tali Sharot, da University College London, no aclamado livro O Viés Otimista. “Subestimamos as chances de nos divorciar, sofrer um acidente ou ter uma doença grave”, exemplifica, apontando que esse tipo de pensamento é fundamental para levantar da cama e seguir em frente. A partir daí, faz-se necessária uma distinção — uma parcela da população mundial apresenta maior disposição ao otimismo do que a outra, situação em parte estabelecida pela genética, conforme a ciência já demonstrou.
Não é nada, porém, que esteja cravado na pedra, como um pilar inabalável, lembram os pesquisadores. À base de muita observação, eles concordam que o otimismo é, em boa medida, uma habilidade moldável pelo ambiente e passível de ser exercitada. Pode soar autoajuda ligeira, mas se trata de conhecimento sério. “Precisamos desenvolver uma disciplina mental para canalizar pensamentos negativos em direção a ideias neutras ou favoráveis. Aos poucos, a pessoa consegue racionalizar melhor e ir se afastando dos cenários trágicos”, esclarece a psicóloga Ana Maria Rossi, da Associação Internacional de Prevenção e Tratamento de Stress. A escritora carioca Marina Neves, 32 anos, uma das integrantes do pelotão dos otimistas ouvidos por VEJA, conta praticar a lição. “O único controle que temos na vida é sobre como percebemos os acontecimentos ao nosso redor”, reconhece ela, que às vezes sofre, sim, mas tenta “não focar nisso”.

Sob o ângulo dos indivíduos, dar gás ao otimismo se reflete em cheio na saúde, conforme mostra um trabalho da Universidade de Boston: à medida que as pessoas conseguem se livrar com maior destreza do peso de eventos infelizes, seus níveis de cortisol, o indesejado hormônio do estresse, se mantêm baixos, condição ideal para a vida longa. Também do ponto de vista das sociedades, o filtro da positividade colabora, uma vez que são justamente aqueles mais crédulos na melhora do mundo os mais propensos a se mexer e agir em seu favor. “É no dia a dia que temos a chance de construir um futuro melhor. É preciso ser prático”, afirma o cientista social paulista Marcelo Rocha, 28 anos, que compõe o grupo consultivo de jovens da ONU para ação climática — um assunto, aliás, que arrasta muita gente para a raia do pessimismo nestes tempos de aquecimento global.

Ao elencar tudo de bom que o otimismo proporciona, cabe ponderar que doses excessivas dele podem resvalar para aquilo que a própria ciência classifica como “positividade tóxica”, quando dar as costas à realidade se traduz em falta de pé no chão. Vale também aqui a busca pelo equilíbrio, como gente sábia das mais distintas eras já pontuaram. “Na Grécia Antiga, Aristóteles considerava a esperança o pilar para uma vida plena”, lembra o professor de filosofia Dejalma Cremonese. Autor de primorosos discursos, o ex-primeiro-ministro britânico Winston Churchill (1874-1965), que foi do ápice à derrota e soube se reerguer, imprimindo seu nome no panteão da história, deixou palavras simples que não custa revisitar: “Sou um otimista. Não me parece muito útil ser qualquer outra coisa”, declarou, nos anos 1950. Fica a dica.
Com reportagem de Valentina Rocha
Publicado em VEJA de 25 de setembro de 2025, edição nº 2963