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Por que bem-estar e otimismo entre os jovens estão em queda

As novas gerações estão revelando tormentos e angústias em maior grau que os mais velhos, mostra nova pesquisa

Por Duda Monteiro de Barros Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Mafê Firpo Atualizado em 3 jun 2024, 17h02 - Publicado em 5 abr 2024, 06h00

O significado de felicidade sempre atiçou a curiosidade intelectual de pensadores, que, ao longo dos tempos, tentaram defini-la. Na Grécia Antiga, Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.) dizia que ela era exclusividade dos sábios, aquele estrato da sociedade que usava seu vasto conhecimento para viver de forma ética e justa. Seu conterrâneo Epicuro (341 a.C.-270 a.C.), da linha hedonista, afirmava de forma simples e direta que só era feliz mesmo quem experimentava os prazeres mundanos. A modernidade trouxe mais complexidade ao debate, desembocando em Sigmund Freud (1856-1939), o pai da psicanálise, que sacudiu a cena ao questionar a ideia da realização plena — para ele, uma utopia. Mesmo que circunscrita a certos momentos e fases da existência, a humanidade se move pela busca de tal sensação. Os estudos na área sempre sinalizaram que a alegria é mais recorrente na infância e na juventude e que, conforme vão passando os anos, envoltos em responsabilidades e preocupações, o bem-estar se torna mais difícil de alcançar. Pois tudo indica que no frenético mundo que abriga a geração Z, a turma nascida entre 1995 e 2010, a curva não é mais assim.

Respeitado termômetro que afere a felicidade há mais de uma década, o World Happiness Report, conduzido pela Universidade de Oxford com apoio da ONU, mostra que, pela primeira vez, são elas, as novas gerações, que estão puxando a média geral para baixo, revelando tormentos e angústias em maior grau que os mais velhos — uma espécie de crise da meia-idade antecipada. Atentos ao ranking de 143 países, especialistas se puseram a refletir sobre ele tão logo o perturbador resultado veio à luz. Os Estados Unidos, que nunca haviam ficado de fora do pelotão da frente, o dos vinte primeiros, cravou a 23ª colocação entre as nações mais felizes — e isso tem tudo a ver com os jovens. Se apenas os dados dessa fatia da população fossem contabilizados, os americanos despencariam para o 62º lugar. Heptacampeã da lista, a Finlândia é outra que registra o fenômeno, observado por toda a Europa e também no Brasil: os integrantes da ala Z fazem aquele trecho da Escandinávia baixar para 7º no rol da satisfação — indicador composto de itens como a percepção da liberdade e da generosidade, aliada à segurança e à ideia de uma vida saudável. “Pensar que em algumas parte do mundo os jovens vivem uma crise de meia-idade exige uma ação imediata”, afirmou Jan-­Emmanuel De Neve, à frente do World Happiness Report.

Uma das explicações para o cenário que o levantamento delineia reside no universo das redes sociais, no qual a turma Z está imersa no mais alto grau. No mundo virtual, a felicidade é perigosamente idealizada, causando frustração a quem não se vê parte dela, e as respostas são muito rápidas, tudo a um clique de distância. “É uma geração exposta a uma realidade editada e essencialmente imediatista, que cresceu habituada a ter as coisas na hora, entrando em desespero quando algo dá errado”, pontua a psicóloga Ceres Araujo.

CHOQUE DE REALIDADE - Aos 25 anos, Jordan Navegantes mergulha numa angústia intensa ao pensar no futuro, que lhe parece abstrato. Formado em teatro, ele pena para arranjar trabalho. “Ando frustrado”, reconhece
CHOQUE DE REALIDADE – Aos 25 anos, Jordan Navegantes mergulha numa angústia intensa ao pensar no futuro, que lhe parece abstrato. Formado em teatro, ele pena para arranjar trabalho. “Ando frustrado”, reconhece (./Arquivo pessoal)

A esse caldo soma-se o tipo de educação que predomina entre os jovens — os pais percorrem hoje uma via de mais diálogo justamente porque cresceram num contexto de maior rigor e não querem reproduzi-lo. Eis aí um avanço, que embute, porém, uma ponderação: o exagero na dose, que deixa os seres em desenvolvimento sem freios, pode se desdobrar em um contingente com dificuldade de enfrentar as asperezas da vida real. O recém-­lançado Bad Therapy, da autora americana de best-sellers Abigail Shrier, cutucou o assunto, elevando a fervura. A autora sustenta que a superproteção dos pais é um dos motivos de os jovens de agora não conseguirem lidar com sofrimentos corriqueiros, um prato cheio para a decepção e tristeza, criando uma geração que não sabe ser contrariada. “Crianças precisam de autoridade. Não significa educar sem amor, mas os pais precisam estar no comando”, dispara Abigail, alimentando a polêmica.

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Os estudos confirmam que a crise existencial típica dos 40, 50 anos está atingindo precocemente os jovens, que citam desilusões ao dar os primeiros passos na carreira e ansiedades sobre o futuro. A estudante de ciências sociais Flávia Marçal, 25 anos, sente-se frequentemente em débito consigo mesma, como se pudesse ir mais longe, sem conseguir. “Tenho a sensação de que as pessoas à minha volta sabem mais o que querem do que eu, que não tenho um propósito claro”, diz ela, que reconhece o lado tóxico das redes. Por isso, aos poucos, está parando de acompanhar detalhes da rotina alheia, que em nada lhe acrescentam. A estudante faz coro com brasileiros de sua faixa etária – enquanto o país ficou em 44º lugar no World Happiness Report, os jovens fazem a média desabar, levando o país a retroceder dezesseis posições.

Fatores sociais como nível de emprego, segurança e acesso a serviços de saúde impactam positivamente a felicidade, ao passo que o medo das consequências do aquecimento global afeta o bem-estar dos jovens em escala inédita. Uma pesquisa publicada no periódico científico The Lancet, que ouviu mais de 10 000 indivíduos entre 16 e 25 anos, constatou que 67% deles acusam o baque, dizendo com todas as letras o quanto as mudanças climáticas os põem a pensar sobre a finitude e o futuro de maneira mais ampla. “Os temores dessa geração vão desde as perspectivas de carreira, que para alguns parece sem horizonte, até a saúde do planeta, receios que a pandemia intensificou”, observa a antropóloga Joanice Conceição. As incertezas na economia são sabidamente um motor para angústias e, nessa geração marcada pelo imediatismo, elas soam ainda mais superlativas. “Estou frustrado com a vida adulta. De um dia para o outro, fiquei desempregado e cheio de dívidas. As coisas não aconteceram da maneira que eu imaginava”, desabafa o ator Jordan Navegantes, 25 anos. Sob todos os pontos de vista, a preocupação com o amanhã, intrínseca à espécie, é compreensível. O xis da questão é não deixá-la apagar o otimismo que define a juventude.

Publicado em VEJA de 5 de abril de 2024, edição nº 2887

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