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Quem tem medo do pai de Xica Manicongo?

A discussão da paternidade da primeira travesti do Brasil, figura central no desfile da escola de samba Tuiuti

Por Luiz Mott*
Atualizado em 7 mar 2025, 17h58 - Publicado em 7 mar 2025, 16h00

Até 1998, ninguém nunca tinha ouvido falar de Xica Manicongo. Hoje, tem mais de 1 milhão de resultados no Google. Fui eu, Luiz Mott, professor e antropólogo da UFBA, fundador do Grupo Gay da Bahia (GGB), quem descobriu e tirou do armário da Inquisição na Torre do Tombo de Lisboa o feiticeiro Francisco Manicongo. Foi denunciado na 1ª Visitação do Santo Ofício na Bahia (1591), de ser “somítigo paciente”, isto é, gay passivo, e usar uma faixa na cintura, aberta na frente, que o identificava como membro de uma “quadrilha de feiticeiros-quimbanda do Congo Angola que fazem o papel de fêmea”. Há 27 anos, portanto, tive o insight de identificá-lo como “o primeiro travesti do Brasil e homossexual corajoso”. Só em 2000 que o GGB introduziu no português o artigo feminino para se referir às pessoas trans, que, até então, se consideravam homossexuais.

De lá para cá, publiquei uma dezena de artigos aqui e no exterior sobre essa pioneira quimbanda afro-baiana, contraventora na sua vivência religiosa e heterodoxa na sua orientação sexual e performance de gênero. Somente em 2010 a travesti carioca Majori Marchi, de saudosa memória, líder da Associação de Travestis do Rio de Janeiro, leitora de meus artigos, onde tomou conhecimento do nosso Quimbanda, decidiu então rebatizá-lo como Xica Manicongo, uma apropriação inteligente do lugar de fala, que aprovei e considero politicamente correta. Continuo me referindo à nosso quimbanda ora como Xica, ora como Francisco, considerando que ele declarou duas vezes, na diminuta documentação onde é citado, que já não usava a tal faixa de mulher e sim “o vestido de homem” dado por seu proprietário. Hoje, Xica\Francisco seria qualificada, na infindável sopa de letrinhas LGBT+, como gênero mutante ou identidade fluída.

Apesar de ter dado à luz à nossa primeira travesti pátria, o pai assumido e incontornável de Xica Manicongo tem sido vítima de injusto cancelamento e plágio. Tenho meu nome sistematicamente omitido em muitas reportagens e estórias a ela dedicados, fruto de picuinhas e fake news por parte de certas lideranças trans que não suportam essa realidade: um gay acadêmico e militante destemido, decano no movimento homossexual brasileiro, foi quem deu vida à essa trans matriarca ancestral. Eis o fio de Ariadne: há mais de 30 anos fui declarado “persona non grata” pela Astral, a extinta Associação de Travestis e Liberados (RJ), que me proibiu de escrever sobre o universo trans. Censuravam minhas pesquisas e publicações por meio de moções tortas, aprovadas com assinaturas falsas, como comprovou a primeira advogada travesti da OAB, a saudosa Janaina Dutra. Desde então, sofro esse quixotesco bullying, apesar de minha incontornável contribuição à cidadania de Travestis e Transexuais: há 45 anos o GGB divulga anualmente minha pesquisa com a lista dos LGBT assassinados, destacando sempre que são as trans as principais vítimas deste “bichicídio”; fui eu quem introduziu no país o uso de artigo feminino para as trans; escrevi pioneiros livretos sobre redução de danos no uso do silicone e cartilha de prevenção da aids para travestis em linguagem pajubá; fundei a Atras, Associação de Travestis e Transformistas de Salvador, e há três décadas, ressuscitei do anonimato dos arquivos a mais brilhante estrela do panteão trans, enredo da Escola de Samba Tuiuti, “Quem tem medo de Xica Manicongo”, 10º lugar no Sambódromo em 2025.

A Tuiuti, que há meses vem contando com a assessoria da Associação Nacional de Travestis, omitiu meu nome como descobridor de Xica Manicongo e não me convidando para desfilar junto com as 18 trans homenageadas. É injustiça flagrante que precisaria ser reparada. Consultem-se nossas duas travestis acadêmicas que já escreveram sobre Xica, Dra. Jaqueline Gomes de Jesus e Dra. Amara Moira, sobre a veracidade dessa narrativa. Cidadania – e ciência! – não têm roupa certa.

* Luiz Mott, 78 anos, é antropólogo da UFBA e decano o Movimento Homossexual Brasileiro

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