A intensa movimentação na esplanada do Memorial da América Latina, em São Paulo, em 24 de março, tinha um quê — guardadas todas as infinitas e naturais diferenças — do frenesi em torno das passarelas de Paris durante a Semana de Moda. O auditório principal do conjunto desenhado por Oscar Niemeyer parecia um teatro italiano pronto para o espetáculo. O astro da noite era Reinaldo Lourenço. Celebrado como o solitário rei da alta-costura brasileira, o estilista faria uma retrospectiva de 40 anos de carreira — ele começou a ganhar relevo aos 24. Como sempre, não se ateve ao passado. Os novos modelos apresentados eram símbolos de alfaiataria precisa, a um só tempo simples e esplendorosa, inovadora. Foi aplaudido de pé. “Ele se moldou ao essencialmente necessário, sinônimo de requinte”, disse a reputada consultora de estilo Costanza Pascolato. Emocionado, Lourenço atalhou: “É o que realmente gosto de fazer”.
O amor pela arte do corte e costura fez esse paulista de Presidente Prudente ganhar reconhecimento dentro e fora do Brasil. Ele começou a se interessar por roupas quando menino, ao passar horas e horas observando a mãe, Dirce, e a costureira Ruth fazendo trajes para a família. Era final dos anos 1960, época de escassas opções. Só de ver, ele aprendeu a recortar, fazer moldes e costurar. Aos 14 anos, vendia camisas para os amigos. Pouco depois, montou uma “butique” dentro do próprio quarto para revender peças que comprava em São Paulo. “Via naquilo um bom negócio”, lembra.
Emancipado pelo pai, mudou-se para a capital paulista e, aos 18 anos, conseguiu um emprego na marca G, de Gloria Coelho, com quem se casou e teve o único filho, Pedro Lourenço. Formava-se, assim, uma espécie de linhagem real do estilo no Brasil — Pedro, aliás, seguiria os passos dos pais. Nos primeiros anos paulistanos, Lourenço também trabalhou como assistente de produção de moda na Editora Abril, que publica VEJA, sob a batuta de Costanza. Diz ele: “Ela percebeu que aquele não era meu business. Me disse: ‘Você é estilista’ ”.
Conselho aceito, o jovem costureiro abriu sua grife no início da década de 1980, começando com camisas masculinas, que vendiam bastante, mas ainda não o deixavam realizado. Ao estudar com a veterana designer francesa Marie Rucki, do Studio Berçot de Paris, ele entendeu que deveria assumir o que lhe dava prazer e, em 1984, inaugurou sua etiqueta homônima de roupas femininas. “É ali que eu consigo criar”, diz. Assim alinhavou o sucesso, fruto de um talento nato para desenhar junto a um olhar apurado para o que querem as mulheres. “No fundo, tudo é desejo”, resume. Costanza concorda: “Ele fala diretamente com suas clientes”. No caso, as assíduas frequentadoras do ateliê que mantém em São Paulo, no Shopping Iguatemi, ou nas cinquenta multimarcas que expõem sua marca espalhadas pelo país.
Na estrada, tentou sempre fugir do lugar-comum, da facilidade das tendências. Funcionou. Concentra-se no que curte e julga bonito e promissor. São atitudes consideradas corajosas no mercado, que o ajudam a se distinguir como respeitada referência. Some-se à acuidade a mão técnica de quem domina o metiê. E, nesse campo, o do acabamento e qualidade, é reverenciado internacionalmente.
A longa trajetória, artesanalmente amarrada, o autoriza a nem mais fazer marketing para atrair clientela. “As coisas que ele faz não se vê nem lá fora”, exalta Constanza. Não à toa, estrelas do calibre global de Gisele Bündchen, além de atrizes como Maria Fernanda Cândido (leia na pág. 84) e a cantora e atriz Antonia de Morais, filha de Gloria Pires, sorriem elegantes ao desfilar com peças do mestre, que tratam como “esplêndidas”. Toda a unanimidade é burra, disse certa vez o dramaturgo e cronista Nelson Rodrigues (1912-1980). Não no caso de Reinaldo Lourenço.
Publicado em VEJA de 5 de abril de 2024, edição nº 2887