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‘Sou gorda, bonita e saudável’, diz apresentadora Letticia Munniz

Ela conta como superou a bulimia e se tornou voz ativa contra a gordofobia

Por Paula Freitas 3 ago 2024, 08h00

Quando criança, era tão magra que me chamavam de Olívia Palito, a noiva esquálida do Popeye. Mas um pouco antes da puberdade, aos 10 anos, meu corpo começou a mudar radicalmente. O collant que usava para praticar ginástica artística, esporte pelo qual sou apaixonada, foi ficando apertado, e eu, cada vez mais envergonhada diante de comentários maldosos dos familiares. “É só fechar a boca”, diziam, como se a culpa fosse minha, por comer demais. A pressão era tanta que abandonei de vez as piruetas. A partir daí, desenvolvi transtornos alimentares e me entreguei a dietas malucas que prometiam a silhueta perfeita. Com bulimia, tomava laxantes e vomitava após as refeições. Passava horas na esteira para perder peso. Aos poucos, o amor que tinha pela atividade física se transformou em obsessão doentia. Mas uma foto da modelo plus size americana Ashley Graham, com a qual me deparei, me fez abrir os olhos. “Que mulher bonita!”, pensei — e me convenci de que também havia beleza em mim. Hoje, estou na TV e ilustro a capa das revistas mais cobiçadas do país.

Esse percurso, porém, não foi nada fácil. Quando a gente se acostuma a ter comportamentos destrutivos, a vida saudável parece estranha. Enquanto era magra, ninguém me questionava sobre a minha saúde, que, por sinal, estava péssima. Agora que fiz as pazes com a balança, essa é a pergunta que mais escuto. Entendi que o meu biotipo não tem barriga chapada e é cheio de curvas e decidi mostrar a outras pessoas que é possível ser gorda, saudável e bonita. Comecei a compartilhar mensagens nas redes sociais falando de autoestima e do meu processo de aceitação do próprio corpo. A cada relato, o número de seguidores crescia, até que acabei atraindo uma legião de mais de 1 milhão de fãs. O sucesso chamou a atenção de uma agência de modelos. Logo eu, que queria trocar o meu corpo pelo delas. Aceitei o desafio de me lançar nessa carreira e, de degrau em degrau, fui conquistando meu espaço nos editoriais de moda.

Infelizmente, esse ambiente ainda não é diverso e inclusivo. Sofri gordofobia explícita e velada. Era normal que eu só tivesse três looks para vestir, enquanto outros modelos provavam mais de dez. Chorava muito por isso, não entendia como marcas que se diziam inclusivas podiam agir de maneira tão dolorosa. Ergui minha voz mais uma vez, batendo de frente com os donos das empresas, reforçando a importância de as roupas se adequarem aos corpos, não o contrário. Alguns me escutaram, outros não. Lidar com o preconceito cara a cara me fez mudar o rumo e resolvi que focaria meu trabalho em publicidade e parcerias nas redes. Logo fechei um contrato com a Nike, empresa líder no segmento esportivo. Quando é que uma pessoa gorda pensaria que isso seria possível? Eu, certamente, não pensaria.

Fazer publicidade para marcas famosas e estar em capas de revista, inclusive em publicações que, por anos, venderam a imagem do corpo perfeito, me emociona. Mas também me rendeu ataques, ainda repletos de preconceito. Nutricionistas e treinadores se sentiram à vontade para dar pitacos sobre o meu corpo. Diziam que eu era uma mulher doente e que não servia de exemplo para ninguém. Achei graça. Minha rotina é repleta das mais variadas atividades físicas: corro, remo, sapateio e faço musculação. Tudo acompanhado de uma alimentação balanceada e de uma equipe médica que me auxilia. Virei assistente de palco do Domingão com Huck, na TV Globo, e agora sou atriz. No passado, corpos gordos eram ridicularizados. Hoje, inspiram a mulherada nas tardes de domingo. Esta é a minha bandeira: mostrar que há beleza (e muita vida) além da magreza.

Letticia Munniz em depoimento a Paula Freitas

Publicado em VEJA de 2 de agosto de 2024, edição nº 2904

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