Um toque de maciez: veludo volta com força nas coleções internacionais
Adeus, ao menos por enquanto, ao moletom e à malha adotados nas quarentenas da pandemia
A história da moda é feita de pontos de virada, e alguns deles são indeléveis. O ano: 1985. Em jantar na Casa Branca, o altivo presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, virou mero figurante diante da dança de John Travolta com a princesa Diana. Ela usava um vestido de veludo azul em tons de meia-noite, assinado pelo estilista Victor Edelstein. A peça, linda e insinuante, afeita a uma mulher que sabia se comunicar com o que trajava, seria comprada em 2019 por uma instituição de caridade da Inglaterra pelo equivalente a 1,1 milhão de reais.
Foi a celebração da grandeza de Di, mas também daquele vestuário. Era o veludo em seu apogeu, como se, da crise do casamento com o príncipe Charles, ela anunciasse estar viva e cintilante. Eis a força de um tecido nobre e de toque macio, de textura opulenta e sofisticada. E agora, quase quatro décadas depois daquela noite épica em Washington, o veludo voltou ao centro do palco e das passarelas de alta-costura com um novo recado: atravessada a pandemia, atrelada ao uso doméstico do moletom, da meia malha e do tricô, peças um tanto insossas, retomemos o cotidiano com estilo.
Nas coleções exibidas em Paris para o inverno de 2023, o veludo foi onipresente. Chamaram a atenção os vestidos longos com decotes profundos, fendas e assimetrias nos desfiles de Christian Dior e Schiaparelli. “A ideia é fazer coisas lindas”, resumiu Daniel Roseberry, diretor criativo da maison criada pela lendária Elsa Schiaparelli, como um lembrete da capacidade de sonhar. A maior parte das marcas apostou no veludo preto, dobradinha que faz sucesso desde os anos 1970. Armani e Chanel brilharam com elegantes conjuntos de calça e paletó de manga comprida. Aposta-se que desembarquem no Brasil com força. “Acredito que por aqui a tendência será adaptada para o veludo molhado”, diz o estilista Marcelo Quadros. Foi exatamente esse tipo de brilho intenso, que lembra um espelho de água (daí o nome), que inspirou a escolha de Bruna Marquezine. Ela causou frisson ao aparecer nas redes sociais com vestido preto e casaco azul royal aveludados. “Molda-se ao corpo e realça o movimento, do jeito que a brasileira gosta”, crava o designer.
Cabe uma indagação: qual a mágica do veludo (do latim vellus, que significa “pelo em tufos”)? Trata-se de beber da sensação primal: acariciar um pedaço de veludo é como passar a mão em cabelos delicadamente recém-cortados. Esse apelo primordial é resultado de sua confecção, preferencialmente em seda: pequeníssimos laços formam uma superfície tufada, uma camada em cima da outra. É natural que reis e rainhas tenham se apaixonado pela trama, inicialmente costurada pelos chineses em torno do ano 400 a.C.. Ricardo II, que reinou na Inglaterra de 1377 a 1399, adorava ser visto em peças aveludadas. Depois de deposto, levado a passar fome numa masmorra, em tragédia iluminada por William Shakespeare, exigiu em seu testamento que fosse enterrado em veludo “à maneira real”. Ainda hoje reveste os salões do poder. Os representantes da Câmara dos Lordes britânica usam vestes de veludo vermelho na coroação dos monarcas.
Com o passar dos anos, e a esperada transformação tecnológica da manufatura, houve barateamento da fabricação, inclusive com o uso de tecidos sintéticos. Contudo, e ainda bem, o veludo nunca perdeu a aura inicial, luxuosa e elegante, embora muitas vezes de gosto duvidoso. Sempre que a humanidade passa por maus bocados, como a atual travessia da Covid-19, e precisa se vestir para a festa da bonança, o veludo vai à ribalta. É o que acontece agora. É um manifesto colado ao corpo — como fez Diana.
Publicado em VEJA de 20 de julho de 2022, edição nº 2798