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A ascensão do pernambucano Amaro Freitas como novo bamba do jazz

Ao mesclar ritmos brasileiros com o gênero americano, o pianista ganha fama internacional

Por Felipe Branco Cruz Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 12h35 - Publicado em 19 dez 2021, 08h00

A infância do pernambucano Amaro Freitas não foi nada melodiosa. Criado em uma casa precária na periferia do Recife, ele se lembra do dia em que as paredes de barro foram cravejadas de balas em um tiroteio. Ao menor sinal de trovoada, era um drama. “Em uma chuva forte, tivemos ajuda dos vizinhos para tirar os móveis enquanto a casa afundava”, diz. Freitas distinguiu uma nota de esperança em meio à pobreza aos 12 anos, quando foi aprender música na igreja evangélica do bairro. Como seu primeiro desejo — a bateria — já estava com vagas lotadas, restou-lhe uma segunda opção: o piano. Se havia dúvida sobre o empurrão do destino, ela seria dissipada dois anos depois. Ao ganhar de um amigo o DVD Alive, do pianista americano Chick Corea (1941-2021), o rapaz descobriria sua razão de viver. “Desde então, eu só queria saber de ouvir e tocar jazz”, conta ele hoje.

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Sorte dos amantes desse gênero seminal da música — e dos brasileiros. Aos 30 anos, Amaro Freitas é um dos pianistas de jazz da nova geração mais respeitados do mundo. Logo no segundo álbum, Rasif (2018), ele recebeu elogios da conceituada revista americana DownBeat, que destacou a complexidade rítmica “estonteante” do trio que lidera (formado ainda por Jean Elton, no baixo, e Hugo Medeiros, na bateria). Suas composições, feitas de compassos irregulares, captam as vibrações de ritmos como frevo, maracatu, coco e baião. Em seu terceiro álbum, Sankofa, lançado neste ano pelo selo inglês Far Out, ele celebra também suas raízes africanas — o que arrancou elogios de uma fera como o trompetista americano Christian Scott, após ouvi-lo no Montreux Jazz Academy. “Suas mãos carregavam histórias e verdades em cada frase”, rasgou-se. Para o produtor João Marcelo Boscolli, a música de Amaro vai muito além do jazz. “Os Estados Unidos estão repletos de extraordinários pianistas, mas o que diferencia Freitas é que ele não é só um jazzista. Seu trabalho acrescenta elementos que só o Brasil tem”, resume.

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Antes de conquistar o mundo, Freitas enfrentou obstáculos típicos de quem tenta viver de música no país. Ao se apaixonar pelo jazz, tentou estudar em um conservatório, mas seu pai não tinha os 30 reais da mensalidade. Aos 18, decidiu intercalar jornadas como atendente de call center entre shows em casamentos, bailes e bares — até finalmente se formar num curso de produção fonográfica. Quando já despontava como artista de prestígio, teve de vencer mais uma barreira: o racismo. Nordestino, negro de cabelos volumosos e físico imponente, com 1,85 metro, Freitas afirma que era julgado pela aparência antes mesmo de ouvirem sua música. “Olham para um personagem negro e imaginam que ele é um percussionista. Não como se isso fosse uma coisa boa, mas como se ele não pudesse ser um pianista”, diz ele, que foi confundido assim incontáveis vezes.

ADMIRAÇÃO - Com Chick Corea, em 2019: encontro com ídolo que o inspirou -
ADMIRAÇÃO - Com Chick Corea, em 2019: encontro com ídolo que o inspirou – (./Arquivo pessoal)
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Morando até hoje no Recife, Freitas se diz privilegiado por alcançar o reconhecimento sem se mudar para o exterior. A mesma sorte não tiveram outros pianistas negros que foram pioneiros do jazz no Brasil. Johnny Alf, um dos pais da bossa nova (e considerado “genial” por Tom Jobim), morreu pobre em 2010. Dom Salvador, de 83 anos e criador do samba-funk, hoje sobrevive tocando num barzinho no Brooklyn, em Nova York. “Ao olhar para o passado, vemos o esquecimento dos músicos negros”, diz Freitas.

Enquanto luta pela afirmação racial, ele não perde de vista outra meta nobre: aproximar o jazz das pessoas. Recentemente, fez uma parceria com o rapper Criolo e Milton Nascimento, em que os três tocam clássicos do Clube da Esquina. Além disso, participou da canção Gracinha, da pop Manu Gavassi. Na busca pelo ecletismo, ele se inspira em um conterrâneo de sucesso mundial: o percussionista recifense Naná Vasconcelos (1944-2016). “Hoje, eu me sinto como um Naná do piano. Minha percussão tem 88 tambores (número de teclas do instrumento). Quando sento para tocar, é para exaltar os ritmos e as tradições brasileiras.” Esse bamba do jazz é coisa nossa.

Publicado em VEJA de 22 de dezembro de 2021, edição nº 2769

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