Black Friday: Assine a partir de 1,49/semana

‘A Herança dos Bem-Aventurados’: literatura da Nigéria pede passagem

Com seu novo romance, a escritora Ayòbámi Adébáyò retrata a nação que sintetiza as alegrias e conflitos da África moderna

Por Diego Braga Norte Atualizado em 4 jun 2024, 10h16 - Publicado em 9 jul 2023, 08h00

A nigeriana Ayòbámi Adébáyò tinha apenas 2 anos quando seu conterrâneo Wole Soyinka ganhou o Nobel de Literatura — o primeiro para um escritor da África Subsaariana. Na época, em 1986, o prêmio foi visto como um incentivo para o mundo africano das letras se globalizar e se livrar de adjetivos preconceituosos como “exótico” ou “tribal”. Menos de quatro décadas depois, o continente já conquistou seu espaço. A Nigéria se destaca e, agora uma adulta de 35 anos, Ayòbámi lidera uma talentosa safra de escritores do país com repercussão global.

A herança dos bem-aventurados

Acaba de sair no Brasil A Herança dos Bem-Aventurados, segundo romance da autora, publicado concomitantemente na Nigéria, Reino Unido e Estados Unidos (escrever em inglês ajuda na conquista global). O livro conta a história de dois jovens que vivem realidades distintas numa mesma cidade. Eniolá é um adolescente de 16 anos e quer continuar estudando num colégio particular, mas seu pai está desempregado e sua família mal consegue se alimentar regularmente. Wúràolá é uma brilhante jovem médica de 28 anos que está fazendo residência e se prepara para seu casamento. Enquanto a vida de Eniolá é uma incógnita devido às batalhas diárias de sua família em busca de bicos, empréstimos, favores e até mendicância, o sucesso de Wúràolá foi planejado desde o berço. Filha de uma família abastada e influente, ela apenas segue o projeto de seus pais, garantindo uma ótima carreira e prestes a se casar com um jovem de sua classe social.

PRESTÍGIO - Soyinka: Nobel do dramaturgo abriu portas para africanos
PRESTÍGIO - Soyinka: Nobel do dramaturgo abriu portas para africanos (Angela Weiss/AFP)

Os capítulos alternam-se entre os dois protagonistas, mas aos poucos as histórias se cruzam de modo inesperado, mas verossímil. O último terço do livro é de tirar o fôlego, cheio de acontecimentos arrebatadores. Com escrita envolvente e descrições precisas, a autora salpica a narrativa com diversas expressões em iorubá, uma das mais de cinco centenas de línguas vivas da Nigéria. Pena que a edição brasileira não traga notas as traduzindo: perde-se um pouco do tempero local e da força da obra original.

Fique comigo

Continua após a publicidade

Apesar do deslize no lançamento, o talento de Ayòbámi revela-se atrás do enredo aparentemente simples. É na paisagem social, nos contextos e relações dos personagens que as tensões emergem com força. O pai de Eniolá foi um estudante dedicado que se formou em história, mas não consegue emprego como professor. Já o namorado de Wúràolá foi um aluno regular e não trabalha, mas ajuda a carreira política de seu pai.

ESTRELA - Chimamanda: autora best-seller made in Nigéria
ESTRELA – Chimamanda: autora best-seller made in Nigéria (Leonardo Cendamo/Getty Images)

Com a maior população e economia da África, a Nigéria costuma ser apontada como um “país do futuro” — epíteto que os brasileiros conhecem bem, com conotações de dádiva ou maldição. Colônia britânica até 1960, o país atravessou uma violenta guerra civil e ditaduras militares. A democracia só chegaria em 1999. Sétima maior exportadora de petróleo do mundo, a nação vem conseguindo se estruturar financeiramente, mas ainda não obteve êxito em aplacar a miséria, enorme desigualdade social, corrupção e uma constante tensão política que com frequência explode em episódios violentos.

Feras de Lugar Nenhum

Continua após a publicidade
A HERANÇA DOS BEM-AVENTURADOS, de Ayòbámi Adébáyò (tradução de Bruno Ribeiro; HarperCollins Brasil; 366 páginas; 64,90 reais e 44,90 reais em e-book)
A HERANÇA DOS BEM-AVENTURADOS, de Ayòbámi Adébáyò (tradução de Bruno Ribeiro; HarperCollins Brasil; 366 páginas; 64,90 reais e 44,90 reais em e-book) (//Divulgação)

É essa a Nigéria tão bem retratada por Ayòbámi: um país que luta para se desenvolver, mas ainda está amarrado a seus problemas sociais e políticos. Miseráveis e ricos frequentam os mesmos mercados de ruas, contatos contam mais que diplomas, brutalidade e ternura convivem na mesma sociedade. A mãe e as tias de Wúràolá combatem o machismo de seus maridos com ganância e obstinação: são leoas que, à sua maneira, lutam por um futuro para suas proles. Os amigos de Eniolá querem celulares novos e roupas da moda, nem que para isso tenham de se envolver com crimes. Patriarcas ricos entram na política por objetivos pessoais, e usam o poder como uma ferramenta para enriquecimento e prestígio. Ainda assim, a Nigéria de Ayòbámi revela uma maravilhosa paleta de humanidade, afeto e alegria na mesma proporção que abriga violência, cobiça e tristeza.

Num ensaio dos anos 80, no calor do Nobel de Soyinka, o africanista americano Bernth Lindfors escreveu que o nigeriano tinha “batido o homem branco em seu próprio jogo”, a literatura. Se a escritora Chimamanda Adichie tornou-se uma best-seller mundial made in Nigéria e Uzodinma Iweala teve seu Feras de Lugar Nenhum adaptado e popularizado num filme da Netflix, Ayòbámi surge como uma das mais promissoras seguidoras dos passos de Soyinka. Não é pouco.

Publicado em VEJA de 12 de julho de 2023, edição nº 2849

Continua após a publicidade

CLIQUE NAS IMAGENS ABAIXO PARA COMPRAR

‘A Herança dos Bem-Aventurados’: literatura da Nigéria pede passagem‘A Herança dos Bem-Aventurados’: literatura da Nigéria pede passagem
A herança dos bem-aventurados
‘A Herança dos Bem-Aventurados’: literatura da Nigéria pede passagem‘A Herança dos Bem-Aventurados’: literatura da Nigéria pede passagem
Continua após a publicidade

Fique comigo

‘A Herança dos Bem-Aventurados’: literatura da Nigéria pede passagem‘A Herança dos Bem-Aventurados’: literatura da Nigéria pede passagem
Feras de Lugar Nenhum
logo-veja-amazon-loja
Continua após a publicidade

*A Editora Abril tem uma parceria com a Amazon, em que recebe uma porcentagem das vendas feitas por meio de seus sites. Isso não altera, de forma alguma, a avaliação realizada pela VEJA sobre os produtos ou serviços em questão, os quais os preços e estoque referem-se ao momento da publicação deste conteúdo.

Publicidade

Imagem do bloco

4 Colunas 2 Conteúdo para assinantes

Vejinhas Conteúdo para assinantes

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

a partir de 39,96/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.