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A HQ que se tornou sinônimo de luta pela democracia na Argentina

Com uma elaborada história de ficção científica, 'O Eternauta' é um marco na história das artes gráficas do país

Por Alessandro Giannini Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 10 abr 2025, 07h39 - Publicado em 9 abr 2025, 18h30

Para os argentinos, a imagem de um homem vestido com roupa de mergulho, máscara e rifle em punho remete à defesa da democracia. Em tempos de ditadura e sempre que a ameaça do autoritarismo paira, os muros das ruas de Buenos Aires são ocupados por grafites dessa figura enigmática e meio fantasmagórica. Desconhecido para quem não está imerso na cultura local, o personagem em questão é o protagonista de O Eternauta, quadrinho de ficção científica que se tornou um marco das artes gráficas no país. Criada pelo roteirista Hector Oesterheld, a obra teve três encarnações: de 1957 a 1959, em 1969 e 1976. Em todas, o texto foi assinado por Oesterheld. Na primeira e na última, os desenhos foram de Francisco Solano López e, na segunda, ficou a cargo de Alberto Breccia.

O Eternauta alegadamente bebe na fonte de Robinson Crusoé, o clássico de aventura com tintas racistas encobertas pelo verniz da teoria do bom selvagem. Oesterheld tinha a obra de Daniel Dafoe em mente quando pensou na Buenos Aires ilhada, após uma nevasca fluorescente e tóxica matar grande parte da população. A figura coberta da cabeça aos pés para evitar contato com os flocos assassinos é Juan Salvo, um roteirista de histórias em quadrinhos que sai pela cidade cercada por água de todos os lados a fim de buscar suprimentos para sua família e amigos. Nessa jornada, ele descobre que a cidade foi invadida e “os outros” não são deste mundo. É a evidente metáfora para as forças divisoras e desagregadoras dos chamados “homens de bem”.

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BATALHA – A luta contra os invasores: na história, os sobreviventes são tomados por uma força estranha – (Francisco Solano Lopez/ Pipoca & Nanquim/Divulgação)

Em sua primeira fase, O Eternauta foi publicado de forma seriada na agora extinta revista Hora Cero Semanal. Os três anos em que chegou aos leitores, com três páginas por semana, foram os de transição de regime na Argentina. Em 1955, o país havia passado pela chamada “Revolução Libertadora”, um golpe militar que depôs o presidente Juan Domingo Perón, após um período de desenvolvimento e bem-estar social. Somente em 1958, após muitos protestos, um novo presidente eleito assumiu, Arturo Frondizi Ercoli. Entrementes, todo o arcabouço de proteção aos trabalhadores foi erodido, algo que marcou profundamente os autores. “E era essa mudança brusca na sociedade que Oesterheld via enquanto escrevia O Eternauta; foi nesse contexto que a HQ foi produzida”, escreve Rafael Machado Costa, historiador da arte da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no prefácio da primorosa edição da Pipoca & Nanquim.

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ETERNAUTA – Luva que envolve a capa original da edição, que fica na horizontal, observando a orientação em que a obra foi concebida – (Francisco Solano Lopez/ Pipoca & Nanquim/Divulgação)
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Uma segunda versão da história foi publicada em 1969, desta vez com desenhos de Breccia. O claro-escuro do artista argentino dava um tom mais sombrio à saga de Salvo e dos portenhos sitiados. Novamente em um período de autoritarismo, sob a mão pesada do general Juan Carlos Onganía, o país vivia momentos de protesto popular. Oesterheld acrescentou na narrativa que a América Latina havia sido entregue aos invasores pelas potências do hemisfério norte em troca de clemência, numa referência às interferências de países ricos na região, depois confirmadas pela liberação de documentos diplomáticos. Uma derradeira versão, O Eternauta II, em 1976, trouxe de volta Solano Lopez aos desenhos. Publicada no período mais recente e mais violento da ditadura argentina, o quadrinho acabou sendo o epitáfio do roteirista e ativista, que foi sequestrado por agentes do regime em 27 de abril de 1977, e nunca mais foi encontrado — assim como suas quatro filhas.

De Pino Solanas a Lucrécia Martel, passando pelo espanhol Álex de la Iglesia, vários diretores quiseram transformar O Eternauta em um produto audiovisual. Nenhum deles obteve sucesso, em parte pelas dificuldades logísticas de se filmar uma Buenos Aires praticamente vazia e outras questões envolvendo efeitos especiais. Financiado pela Netflix, Bruno Stagnaro, de Pizza, birra e faso (1998) e Os impostores (2009), conseguiu a façanha, com apoio dos herdeiros de Oesterheld. Com apenas seis episódios, a série será protagonizada pelo indefectível Ricardo Darín, que assumirá o papel de Juan Salvo. A estreia está prevista para 30 de abril, na plataforma.

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