Jafar (Marwan Kenzari), o maléfico, não quer ser apenas um vizir; quer ser o sultão. Mas como, se o reino de Agrabah já tem seu sultão e se o tal Jafar, ladrão comum que se infiltrou na corte graças a muita esperteza e alguma magia, não tem linhagem que o recomende? Ora, para isso existem as lâmpadas mágicas e os gênios que nelas moram: realizar até os desejos mais extraordinários. Basta que Jafar obrigue Aladdin (Mena Massoud), um menino de rua espertalhão mas de bom coração, a buscar a lamparina no interior da caverna proibida, e então — em um piscar de olhos (ou em dois ou três fins de semana), a Disney terá juntado mais algumas centenas de milhões à sua cota da bilheteria. Aladdin (Estados Unidos, 2019), que já está em cartaz no país, é mais um veio de um filão que o estúdio vem garimpando com sucesso quase infalível: o das versões live action do seu notável catálogo de clássicos da animação.
Se o Dumbo dirigido por Tim Burton colheu um resultado modesto (renda mundial de 347 milhões de dólares, contra um custo de 170 milhões), outras vezes o dinheiro chove — como no caso de A Bela e a Fera (1,26 bilhão contra 160 milhões de investimento), Mogli — O Menino Lobo (967 milhões contra 175 milhões) e Cinderela (543 milhões contra 95 milhões). Aladdin candidata-se a integrar esse segundo grupo: é adaptado de um dos desenhos mais bem-sucedidos da Disney e tem um astro de imensa popularidade, Will Smith, colocando toda a sua considerável energia no papel do Gênio, o verdadeiro motor do enredo. Possui também uma levada alegre e colorida que se inspira nos musicais de Bollywood, além de um eixo bastante contemporâneo — o esforço da princesa Jasmine (Naomi Scott) para ser reconhecida como a sucessora mais capacitada ao reino de seu pai. Atenta às modernas sensibilidades culturais, a Disney cuidou de escolher um elenco com atores de ascendência árabe e asiática. Incumbiu a premiadíssima dupla formada por Alan Menken e Tim Rice de compor as canções e, finalmente, entregou a direção ao inglês Guy Ritchie, que adora histórias protagonizadas por malandros de rua como o simpático, safo e ágil Aladdin, tão rápido para afanar braceletes quanto para se apaixonar por Jasmine, que conhece no dia em que, incógnita, ela faz um raro passeio pelas ruas de Agrabah.
Juntem-se a essa paixonite um tapete mágico e um macaquinho enxerido — Iago, companheiro inseparável de Aladdin e um exemplo encantador do casamento de criação digital com atores reais — e pronto, a lâmpada mágica está mais perto de Jafar, e mais longe dele, do que nunca: é Aladdin quem primeiro a esfrega e faz surgir o Gênio, um furacão azul que, felicíssimo por ser liberto pela primeira vez em 1 000 anos e agradavelmente surpreso com a inocência do seu novo amo, decide orientá-lo na formulação dos seus três desejos. Poder e fortuna, fortuna e poder, é tudo que lhe pedem, diz o Gênio. Romance é uma bem-vinda variação nesse cardápio, explica o todo-poderoso enquanto fantasia Aladdin de príncipe para que ele possa, assim, cortejar a princesa que de outra forma estaria fora do seu alcance.
Lançado em 1992, o desenho Aladdin instituiu um marco criativo: em vez de apenas dar voz ao Gênio (e “apenas” é, neste caso, uma palavra terrivelmente injusta), Robin Williams serviu também de modelo para o personagem, na aparência e na personalidade exuberante. O êxito foi tão grande que, a partir daí, encampar os atributos dos atores passaria a ser regra na animação. Aladdin faz ainda parte do quarteto de desenhos — junto com A Pequena Sereia (1989), A Bela e a Fera (1991) e O Rei Leão (1994) — que virou a sorte do estúdio depois de um estirão de estagnação artística e comercial e o devolveu ao topo do segmento de animação (pelo menos até o advento de uma pequena produtora chamada Pixar, que mudaria os paradigmas com Toy Story, de 1995). O sucesso não só puxou consigo toda a empresa, como cimentou e potencializou a cultura revolucionária que Walt Disney desenhara décadas antes — um sistema de retroalimentação em que a marca impulsiona os produtos e os produtos impulsionam a marca, numa multiplicação virtualmente infinita das possibilidades de negócios. Eis o que definiu o interesse da Disney em adquirir a incômoda rival Pixar, a Lucasfilm, os Estúdios Marvel e agora a Fox: não apenas o valor intrínseco das empresas, mas a capacidade dessas marcas de contribuir para acelerar essa sinergia.
Os resultados são impressionantes. A Disney é o único estúdio a ter ultrapassado os 7 bilhões de dólares na bilheteria global: fez 7,3 bilhões no ano passado — no que perde só para si própria, com os 7,6 bilhões de 2016. Até aqui, em 2019, ela detém 34% da bilheteria americana, contra 16% da Warner, a segunda colocada — para o que os 2,6 bilhões já acumulados por Vingadores: Ultimato contribuem decisivamente. E, para a Disney, o ano mal começou. Em 18 de julho, estreia a nova versão de O Rei Leão, em computação gráfica hiper-realista — e vale lembrar que esse foi o desenho de maior bilheteria de toda a história do estúdio; em valores atualizados, sua renda somaria hoje 1,7 bilhão de dólares. Em dezembro, como grand finale, encerra-se a última trilogia de Star Wars — cujos dois primeiros filmes totalizam 3,4 bilhões de dólares. Os itens menores da agenda estão longe de ser desprezíveis: Toy Story 4 em junho; em outubro, a continuação de Malévola, a versão live action de A Bela Adormecida, com Angelina Jolie; e, em novembro, a de A Dama e o Vagabundo — dando continuidade a uma lista em que já estão programadas versões live action de Mulan, 101 Dálmatas, Pinóquio, O Corcunda de Notre Dame, Lilo & Stitch e A Pequena Sereia. Para a Disney, enfim, o tesouro está onde sempre esteve: no seu imenso patrimônio acumulado. O que pode parecer óbvio — mas é coisa de gênio.
Publicado em VEJA de 29 de maio de 2019, edição nº 2636
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