A vida de Antonio Peticov daria um filme — em várias dimensões. Como ocorre com muitas de suas obras que exploram formas tridimensionais, ele exibe uma trajetória colorida e nada previsível. Nascido em Assis, interior de São Paulo, filho do pastor batista André e da escritora Gláucia, Peticov é um pintor autodidata desde os 12 anos. Hoje, aos 76, impõe-se como referência visual inescapável da vertente conhecida como arte psicodélica — assim como é um expoente importante da contracultura no país.
Com sua paleta exuberante, Peticov viveu e aventurou-se mundo afora, de Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo (onde passou a infância) a Londres (no exílio, durante a ditadura). Morou, ainda, em Milão e Nova York. Hoje, vive e trabalha no bairro do Sumaré, em São Paulo. Pintor, desenhista, gravurista e escultor, acaba de lançar o livro Homo Faber I (1967-1987), publicado pelas editoras Pau Brasil e Peticolors. Um documento vibrante que reúne a primeira fase de sua obra, guardado por 35 anos no baú do artista. “Fico feliz em comunicar meu trabalho, o respeito à Terra e ao universo. Sou um cara abençoado e não quero que as coisas fiquem só para mim”, diz ele, com legítimo espírito paz e amor.
A obra de Peticov tem ligação com a matemática, a física e temas científicos, além de beber do realismo fantástico. Na cena artística, seu trabalho já foi comparado ao peculiar universo do holandês Maurits Escher (1898-1972). “Assim como Escher, o estilo de Peticov é fortemente realista, quase fotográfico. Ao contrário de Escher, entretanto, ele prefere trabalhar com cores audaciosas e vívidas”, notou o escritor americano Martin Gardner (1914-2010). O arco-íris tornou-se uma marca essencial nas suas famosas pinturas de escadas, na simbólica antena que ficou até março deste ano na Avenida Paulista, em imagens de pincéis, paisagens e tantas outras obras. “Sou colorido, psicodélico”, define-se o artista.
Antonio Peticov – A galáxia de Antonio
O homem faz jus a seu estilo. Em 1970, aos 24 anos, foi preso por apologia ao ácido lisérgico (LSD) e ficou setenta dias no Carandiru. Na cadeia, pintou e traduziu livros, antes de ser absolvido. No período, Peticov já estava envolvido com a música. Ele teve um curioso papel na aproximação dos Mutantes, a banda lendária do rock brasileiro. Tornou-se amigo de Rita Lee e a apresentou aos irmãos Arnaldo e Sérgio Baptista. Fez a capa do compacto anterior à formação do grupo, quando ainda era um sexteto. “Todo artista visual tem uma conexão com a música. Trabalhamos com as mãos, e os ouvidos ficam livres”, diz.
Segundo ele, foi por uma ligação cósmica que se tornou também um dos melhores amigos da cantora Baby do Brasil. Quando chegou a São Paulo, em 1969, a cantora conta que viu um grupo de “hippies chiques” ao desembarcar na rodoviária. Um deles era Peticov, que lhe entregou, no instante em que a conheceu, a chave de sua casa — já que Baby não tinha onde ficar. A amizade permanece até hoje: Baby cantou em seu mais recente aniversário, em julho.
A independência de Peticov e de boa parte da geração das artes que despontou nos anos 1960 teve preço alto. São artistas que se mantiveram pintando e criando ininterruptamente, mas não se curvaram aos mecanismos do mercado de arte. Peticov não tem uma galeria representando-o, nem assessoria de imprensa. “Muitos não nos dão bola, ficam só na arte contemporânea”, ironiza. Apesar do prestígio junto à crítica, ele se sente “ignorado” pelas instituições de arte e por jovens curadores. “Não se pode confundir arte com o mundo da arte. Os artistas têm preocupações históricas e estéticas com as quais o mercado não está nem aí”, diz. E admite: “Muitas vezes, tenho de parar meu trabalho para correr atrás de dinheiro para pintar”. Infelizmente, nem tudo no mundo é tão colorido quanto seus quadros.
Publicado em VEJA de 28 de setembro de 2022, edição nº 2808
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