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Afinal, novela deve entreter ou informar?

Autores da Globo vivem dilema diante de pesquisa da emissora que revela que muitos não sabem, por exemplo, que o Brasil foi colonizado por Portugal

Por Maria Carolina Maia Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 17 jul 2017, 13h31 - Publicado em 22 jun 2017, 10h30
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  • O estarrecedor resultado de uma pesquisa realizada pela Globo com o público-alvo de suas novelas indicou que muitos brasileiros têm parcos conhecimentos de história. Há quem não saiba que o país saiu de uma ditadura militar há menos de quarenta anos e mesmo quem não faça ideia de que aqui se fala português porque o Brasil foi colonizado por Portugal. A emissora conduziu as pesquisas depois da estreia de duas tramas de época, Novo Mundo, folhetim das 6 que se passa no século XIX e conta com personagens históricos como Dom Pedro I, e Os Dias Eram Assim, das 11 da noite, que transcorre nos anos de chumbo. Das duas, Novo Mundo é que a mais toma liberdade em relação aos livros de história. Uma questão controversa. Produto cultural mais consumido do país, as novelas têm, para alguns especialistas, a obrigação de informar o espectador, que já conta com um sistema nacional capenga, para dizer o mínimo. Já outros especialistas no tema defendem a liberdade de criação da dramaturgia, como a de qualquer tipo de arte, e veem a novela como uma faísca que pode acender o interesse por um tema – e daí levar alguém a pesquisar, estudar e se informar.

    VEJA ouviu seis dos maiores especialistas em folhetim do país. A maioria – quatro deles – diz que, sim, a novela deve ser fiel aos fatos e levar em conta o nível de desinformação em que se encontra o espectador. Confira abaixo a posição de cada um.

     

     

    “A novela é livre”
    Mauro Alencar, doutor em telenovela pela USP

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    “A responsabilidade pela formação cultural do espectador não é do autor, é do próprio espectador. A falta de conhecimento chegou em um ponto de esculhambação. Isso é muito sério para o país. Em Buenos Aires, na vizinha Argentina, não é assim. O país passou por uma forte crise político-econômica e mantém sua cultura em pé. É irritante a falta de conhecimento geral do brasileiro. É falta de educação, mas também de comprometimento com o cultural. Uma falta de carinho e de apreço com a memória histórica e afetiva, por nossa cultura.

    A formação cultural de base não passa pela arte. Ela pode propiciar isso, mas não a tem obrigação. A novela não é escrita por um historiador. Se o jornalismo e o documentário imprimem a linguagem da realidade, o autor de teleficção, respeitando certos limites conceituais, tem o direito de recriar a realidade. É primordial para que a arte respire. A arte é uma recriação da vida. Caso contrário, jamais teríamos os gêneros literários. Basta repassar a obra de alguns clássicos como José de Alencar, Joaquim Manuel de Macedo e Bernardo Guimarães. Se Guimarães fosse se ater à realidade, talvez nunca tivesse criado uma escrava branca para denunciar os horrores da escravidão e nunca tivesse existido A Escrava Isaura, o romance que virou novela. Base da telenovela, na Escola Romântica da literatura contava com um amplo leque de possibilidades artísticas, estéticas e de manuseio da realidade.

    O limite está na maneira como o autor da ficção irá organizar as peças de sua história; ou seja, como irá travar o diálogo entre a ficção e a realidade. Assim não fosse, jamais teríamos obras tão valorosas como as José de Alencar, que em muito ficcionalizou um panorama do Brasil de norte a sul, valendo-se tanto de sua viagem do Ceará ao Rio de Janeiro como de sua imaginação sobre a vida no sul do país, por exemplo. E, no entanto, estão todos representados em sua magnífica obra: a vida na Corte; o índio; o português; o sertanejo; o gaúcho.”

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    “Liberdade, mas com cautela”
    Claudia Braga, professora da Unicamp

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    “Considerando, antes de mais nada, que ficção é ficção, e tem suas necessidades narrativas próprias, é claro que, em se propondo a dar informações sobre nossa história, uma novela deve buscar ater-se o mais possível à fidelidade dos fatos. Em um mundo como o atual, afogado de informações imediatas (ou mesmo desinformações), seria ingenuidade acreditar que um espectador fosse ele mesmo buscar se informar sobre nossa história, se ainda não a conhece. O ‘reino’ atual é o de aceitação sem verificação mesmo das mais inacreditáveis ‘fake news’. Assim, não cabe imaginar que o espectador iria se ‘responsabilizar por se informar’.

    No caso do autor, deve-se lembrar que é um autor de ficção. Não um historiador. É claro que ele tem certa obrigação de se embasar minimamente, de modo a não inserir absurdos históricos em sua narrativa, mas é certo também que pode tomar poéticas variáveis, ou sua narrativa corre o risco de se tornar um ensaio acadêmico.

    Quanto a D. Pedro I, que parece simpático à causa indígena em Novo Mundo, coisa que nunca foi documentada, não creio que seja, no entanto, um problema, posto que é necessário, em nossos dias, atentar para o grave problema da ausência de demarcações, do desrespeito aos povos e seus costumes, enfim, de nossa ignorância com relação aos problemas enfrentados por nossos habitantes primitivos. Poderíamos dizer que é a mesma licença poética que utiliza José de Alencar. Ou o impediríamos de criar personagens como Peri ou Iracema, indígenas absolutamente idealizados de nossa literatura romântica?”

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    “Informação é problema do público”
    Claudino Mayer, doutor em ciências da comunicação pela USP

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    “A novela não tem obrigação de ser fiel aos fatos históricos que todos nós já conhecemos ou deveríamos conhecer. A novela trabalha com contexto. A forma como a história é contada não importa. O que interessa é que ela traga algum elemento que faça referência aos fatos históricos. Se o espectador não reconhece, é uma questão, um problema, do público. A novela pode suscitar o interesse e fazer o espectador estudar, pesquisar. A pessoa deve questionar e ir atrás das informações. Nós vivemos numa espécie de demência coletiva, que já não importa de onde veio, nós precisamos é questionar o que vemos.”

     

    “Licença beira a irresponsabilidade”
    Paulo Rezzutti, autor de D. Pedro, a História Não Contada e D. Leopoldina: a História Não Contada – a Mulher que Arquitetou a Independência do Brasil

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    “Quanto mais as novelas se distanciam dos fatos e até da linha de tempo em que eles ocorreram, o que seria ficção histórica acaba virando história alternativa. Se a ficção já é tomada como verdade pelo brasileiro médio que não tem maturidade intelectual para discernir fatos romanceados de realidade, beira a irresponsabilidade a falta de cuidado com os elementos históricos salpicados feito tempero ao longo das tramas.

    O nível intelectual do espectador não é dos mais altos e isso faz com que ele acabe comprando como verdade algo sobre o qual nunca havia ouvido falar antes. Basta ver os comentários à Marquesa de Santos nas mídias sociais. A história dela não é a que está sendo contada em Novo Mundo, o personagem está sendo deturpado para caber no papel de vilã.”

     

    “A verdade deve ser respeitada”
    Renata Pallottini, dramaturga, poeta e professora

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    “Acho que, num país onde a educação formal é tão precária, de tão má qualidade, tão mal paga e tão mal acompanhada por uma vida cotidiana infeliz, sacrificada e carente, as pessoas que se dedicam a escrever textos de vários tipos, que serão, depois, apresentados a um grande público, devem cuidar da verdade, além da verossimilhança. ‘Verossimilhança’ é aquela qualidade dramática que faz com que os fatos apresentados sejam passíveis de realidade. Além dessa verossimilhança, porém, é preciso cuidar da verdade, quando se apresentam espetáculos históricos que atingem grandes públicos. O autor terá, sempre, seus próprios pontos de vista, mas existe uma verdade objetiva, que coincide com os fatos e que deve ser respeitada. Não se trata, no caso, de opinar pela censura, à qual nos opomos, mas de coerência, de respeito ao real.”

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    “Questão moral, não artística”
    Clarice Greco, professora da Unip, doutora pela USP

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    “Na minha opinião, a arte não só tem e deve ter licença poética como é muitas vezes definida como arte justamente pela liberdade criativa. E, se a telenovela aspira ser uma manifestação artística, além de um produto cultural (concordem os críticos ou não, é uma narrativa audiovisual que pode e é muitas vezes pensada como arte popular), ela pode fazer uso dessa licença poética. E, dada a importância que tem como produto, ela pode aproveitar sua posição de palco de debates do país para educar.  É mais uma questão de cunho moral do que artístico, nesse caso: encarar o púlpito como uma oportunidade de gerar melhoria social.”

     

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