Amor em tempos de cólera
A guerrilha virtual que alimentou a polarização política na eleição pulou a cerca e chegou a um rumoroso escândalo de separação de atrizes e atores globais
É humano, demasiadamente humano, gostar de vasculhar a intimidade da vida de celebridades, de autoridades e de poderosos em geral. Quando se descobre um escândalo amoroso e sexual, então, mais aguçadas ficam a imaginação e a curiosidade. Até aí, nenhuma novidade sob o sol, e vida que segue. Mas o Brasil tem acompanhado com interesse notável, em tempos pré-carnavalescos, um triângulo um tantinho inusitado, formado por alguns dos atores mais bonitos e badalados do país — Débora Nascimento, Marina Ruy Barbosa e José Loreto —, associados a uma quarta ponta, e aí mora o ineditismo: a polarização política. Convém antes acompanhar os meandros do conflito, para depois entender a barafunda em seu aspecto, digamos assim, ideológico.
Ao descobrir que seu marido, o ator José Loreto, trocava pelo WhatsApp mensagens apaixonadas com a atriz Marina Ruy Barbosa, a supostamente traída Débora Nascimento expulsou o rapaz de casa — e nela ficou com Bella, a filha de 10 meses do casal. Ao revelar a amigas a aproximação virtual incandescente entre a atriz e o ator, colegas na novela das 9 da Rede Globo, O Sétimo Guardião, Débora abriu a caixa de Pandora das paixões. Ao tomarem conhecimento do episódio, algumas colegas de emissora decidiram retaliar Marina Ruy Barbosa no estilo “mexeu com o marido de uma, mexeu com todas”. Bruna Marquezine, Giovanna Ewbank, Thaila Ayala e Sophie Charlotte deixaram de seguir Marina no Instagram. E, por trás da debandada, veio a patrulha partidária.
Explica-se: Marina desejou bom governo a Bolsonaro, embora não tenha declarado voto no atual presidente. Como seus pais são assumidamente apoiadores do político, concluiu-se por aí que ela seria da turma do “ele sim”. As atrizes que deram o unfollow — Bruna, Giovanna, Thaila e Sophie, entre outras tantas — sempre foram da turma do “ele não”. E o que parecia ter nascido como defesa da amiga traída — não nos esqueçamos, “mexeu com o marido de uma, mexeu com todas” — passou a ser tratado como uma conspiração de famosas em defesa do sectarismo político.
Parou por aí? Não. Apoiadores de Bolsonaro entraram na guerrilha com a verve peculiar. Por meio de postagens nas redes sociais, trataram de acusar as atrizes de “lacradoras” e “falsas feministas” pelo linchamento virtual de Marina — deixar de seguir alguém, veja só, é coisa seriíssima. O Instagram e o YouTube de Giovanna Ewbank foram tomados por comentários pejorativos, de ódio e, em alguns casos, racistas. “Volta com essa macaca para a África”, escreveu uma pessoa sobre a filha Titi, adotada no Malawi. Outra a acusou de ter sido obrigada a devolver 3 milhões de reais para a Lei Rouanet (“acabou a mamata”). Era fake news. Giovanna nunca solicitou a lei de incentivo. E mais: as marcas com as quais a atriz mantém contratos publicitários — Neutrogena, Hope e Technos — tiveram o endereço eletrônico invadido, com o clamor de boicote ao nome da moça.
Do outro lado, tal qual se deu durante a campanha eleitoral, a máquina de especulações também jogou pesado. De Marina, disseram ter tido romances com Alexandre Nero, em 2014, e Romulo Estrela, em 2018. Marina nega. Uma conta apócrifa no Instagram chamada @joseloretosafado informava que o ator seria um “pegador serial”: teria ficado, também nos bastidores da novela, com a atriz (casada) Carolina Dieckmann, atraída para um certo “dark room”, uma certa sala escura dentro da Globo transformada em um certo ninho de amor. Tudo, naturalmente, mentira. E, em apenas três dias, um enxame de 400.000 seguidores aderiu à conta do safadão. E foram apresentados a uma lorota construída para passar por verdade: a prática incessante de orgias na Ilha de Fernando de Noronha, onde Giovanna Ewbank e seu marido, o ator Bruno Gagliasso, têm uma pousada. A hashtag #SurubãoDeNoronha virou trending topic no Twitter e alcançou o posto de termo mais pesquisado no Google brasileiro.
Mas, diferentemente da campanha eleitoral, a guerra não teve robôs. Em cena, estavam usuários de carne e osso. “O Twitter conduziu levantamento interno e não encontrou evidências de uso de automação coordenada para manipular as conversas sobre o assunto”, diz a empresa em comunicado a VEJA. O autor da novela O Sétimo Guardião, Aguinaldo Silva, é outro de carne e osso que entrou na confusão. Apoiador declarado de Bolsonaro, Silva saiu em defesa de Marina — e a intervenção incomodou Bruno Gagliasso, que faz par romântico com Marina na novela e é um notório opositor do bolsonarismo, além de ser marido de Giovanna.
A lavagem pública de roupa suja foi uma bela oportunidade para colegas de emissora cutucarem feridas antigas. Bruna Marquezine e Marina Ruy Barbosa nunca se adoraram, embora fingissem o contrário. Desde crianças, disputaram os mesmos papéis e os mesmos anunciantes. Marina chegou a sussurrar que nunca precisou namorar famoso para conquistar seus milhões de seguidores. Bruna, por sua vez, sempre achou Marina dissimulada — eternamente no papel de boa samaritana. Outro componente contra Marina seria uma inveja coletiva: é muito bonita, tem milhões de seguidores, cobra 5 milhões por campanha publicitária e é casada com um bilionário, o piloto e empresário Xandinho Negrão.
Até o momento, além de dor de cabeça, há um saldo evidente da guerra virtual: Marina ganhou quase 1 milhão de seguidores (passou de 30,3 milhões para 31,2). Bruna e Giovanna perderam 200 000 cada uma. Débora foi poupada de gravações para descansar. Bruno Gagliasso teve crise renal e precisou ser operado. Ficará internado por pelo menos cinco dias. Aguinaldo Silva, no melhor estilo Aguinaldo Silva, precisou reescrever alguns capítulos de última hora por causa da ausência de Gagliasso e postou nas redes: “Numa telenovela, a única pessoa insubstituível é o autor, meus quereeedos…”.
E agora? Nos bastidores, alguns artistas já se indagam se vale mesmo a pena exibir vidas privadas na ágora digital. O caminho seria só fazer postagens corporativas? “Não creio. Todos sabem que uma foto ao lado de um bebê rende mais curtidas, e há uma sedução natural em busca desses likes. As empresas anunciantes, aliás, procuram essa mistura: o caráter público com o pessoal, como a foto de uma atriz de biquíni da grife usada em suas férias”, diz o especialista Fábio Malini, que faz pós-doutorado no King’s College, em Londres, no tema da influência de robôs nas eleições dos Estados Unidos, Brasil e Venezuela. O novo, e barulhento, é o público e o pessoal se associarem ao político.
Publicado em VEJA de 6 de março de 2019, edição nº 2624
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