Arte digital ganha maioridade com primeiro museu dos NFTs
Na instituição em Seattle, arte se 'liberta' dos quadros físicos — e volta à parede
Para muitas pessoas, a palavra museu ainda remete a cheiro de naftalina e poeira acumulada. Essa imagem, porém, é um equívoco moldado pelo senso comum — e está prestes a ficar ainda mais ultrapassada. Desde a quinta-feira 27, a cidade de Seattle, na Costa Oeste dos Estados Unidos, abriga a instituição que se proclama como o primeiro museu do mundo voltado para a criptoarte — a chamada “arte do futuro”, que é consumida digitalmente e comercializada em criptomoedas. Batizada de Seattle NFT Museum, a instituição exibe em telas de alta definição o trabalho de artistas que passaram longe das tintas e pincéis, proporcionando aos visitantes uma experiência física e coletiva de contemplação de obras até então vistas apenas através da tela de um computador ou smartphone. “É uma coisa diferente, mas ao mesmo tempo muito familiar. Os visitantes vivem a experiência completa de um museu, assim como em qualquer outro tipo de arte”, explicou a VEJA Jennifer Wong, uma das fundadoras da instituição.
NFT (Fichas Não Fungíveis) 2021-2022
NFT (Fichas Não Fungíveis) 2022-2023
A novidade atesta uma tendência curiosa e com toques de ironia: nos últimos meses, os NFTs, que surgiram como uma forma de supostamente libertar os artistas das amarras físicas, certificando a autenticidade de uma obra digital e atribuindo a ela um caráter único, têm ganhado — quem diria — cada vez mais espaços físicos de exibição. Em março de 2021, a Superchief, em Nova York, abriu as portas da primeira galeria de NFTs do mundo. Nos primeiros três meses de funcionamento, mais de 300 obras foram exibidas no espaço — que, assim como o novo museu de Seattle, apresenta os trabalhos em telas gigantes ou por meio de projeções. Pouco depois, em junho, Chicago também inaugurou sua primeira galeria voltada aos NFTs. Batizado de imnotArt, o espaço tem exposições como O Novo Digital: Nascido em Chicago, que levou para os salões trabalhos de artistas locais como o rapper ProbCause, que expôs a ilustração digital Chicago Skully, inspirada na cidade de Al Capone.
A explosão de galerias com esse perfil não é à toa: estima-se que no último ano os NFTs tenham movimentado, em criptomoedas, 25 bilhões de dólares em vendas — o equivalente a 137 bilhões de reais em cotação atual. O sucesso do gênero levou até a Sotheby’s, uma das casas de leilões mais tradicionais do mundo, a quebrar as barreiras entre o físico e o digital: fundada em 1744, a instituição foi a primeira do ramo a promover uma exposição física de NFTs, a mostra Nativo Digital. Idealizado pelo casal Jennifer Wong e Peter Hamilton, dois executivos do ramo tecnológico, o museu de Seattle agora adiciona a essas iniciativas um fator didático. “Logo na primeira seção de nosso espaço, há informações educacionais sobre NFTs, porque nós sentimos que informar é missão essencial de um museu”, diz Jennifer.
A constatação faz sentido: constituídos de um “código de barras” que atribui veracidade a itens digitais, os NFTs se popularizaram por permitir que artistas “assinem” seus trabalhos virtuais e transformem as obras em artigos de luxo, assegurando ao comprador que ele é o dono do original. A lógica por trás disso, no entanto, é estranha à maioria das pessoas — até porque gastar milhões em um desenho que existe apenas no universo virtual, e que pode ser visto de graça na internet, pode parecer loucura para os mortais. “As pessoas pensam que são apenas imagens que todos usam on-line. Entender o contexto da obra e da tecnologia em um ambiente físico ajuda na compreensão. Queremos expor o máximo de artistas que conseguirmos”, conta a curadora da instituição de Seattle. A primeira exposição deve durar seis semanas e apresenta um conjunto de pouco mais de trinta obras de seis artistas — entre elas, um exemplar da coleção CryptoPunk, que arrecadou sozinho mais de 1 bilhão de dólares. O futuro chegou — e já virou coisa de museu.
Publicado em VEJA de 2 de fevereiro de 2022, edição nº 2774
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