Belas e perigosas, As Panteras (Charlie’s Angels, no original) chegaram à TV americana em 1976 com expectativas medianas: retratar mulheres combatendo o crime não parecia uma ideia brilhante na época. Para surpresa de muitos na indústria do entretenimento, o programa protagonizado por Kate Jackson, Farrah Fawcett e Jaclyn Smith foi um sucesso de audiência – e ficou no ar até 1981.
O trio foi renovado em dois populares filmes, lançados em 2000 e 2003 — com Drew Barrymore (Dylan), Lucy Liu (Alex) e Cameron Diaz (Natalie). E nesta quinta-feira, 14, chega aos cinemas com nova roupagem para uma nova geração, com Kristen Stewart (Sabina), Naomi Scott (Elena) e Ella Balinska (Jane) na pele das protagonistas. Vale lembrar que, em 2011, o canal americano ABC tentou produzir outra série de TV sobre as moças, mas falhou tão vergonhosamente que ninguém faz questão de lembrar.
Confira abaixo os elementos que sustentam a franquia e como eles mudaram – e se adequaram a distintos momentos históricos – nas três fases:
As Panteras
Antes: Três mulheres bonitas, bem vestidas e que sabem lutar: essa é a fórmula básica do trio de agentes. Cada fase, porém, expõe as diferenças de sua época. Na década de 1970, Kate Jackson é Sabrina Duncan, inteligente e de modos masculinizados. Farrah Fawcett, como Jill Munroe, é a bela loira ingênua (que basicamente luta jogando o cabelo de forma exagerada – afinal, são os anos 70). Jaclyn Smith é Kelly Garrett, durona e sensual. Como a própria Kate Jackson reclamaria mais tarde, os roteiros escritos por Ivan Goff e Ben Roberts eram vazios e sem grandes desafios — o que levou o grupo e a própria série a se desintegrar. Ao longo das cinco temporadas, a audiência foi declinando. E Farrah e Kate debandaram do elenco.
Nos anos 2000, o roteiro ganhou alguma sagacidade renovada, que deixou o trio mais leve e cômico. Os mesmos estereótipos, porém, se repetem: Drew é a esperta, Lucy faz a durona e Cameron encarna a bonita tola. A grande mudança, porém, é estética: golpes mais elaborados e lutas mirabolantes surgem na moda do sucesso de Matrix, que em 1999 revolucionou os filmes de ação com seus takes em câmera lenta.
Agora: A formação atual foge do padrão. Kristen Stewart é aparvalhada, mas não se compara a Cameron nem Farrah no quesito beleza embalada para consumo masculino. Ella Balinska interpreta uma ex-agente do MI6 durona e esperta, mas que não faz questão de sensualizar. Já Naomi Scott é uma jovem cientista promissora levemente recatada, que acaba sob as asas da organização e trabalha em parceria com As Panteras, mas não é uma delas. No novo grupo, ninguém é burra ou ingênua.
Bosley e Charlie
Antes: Personagens fixos, Bosley, interpretado na TV por David Doyle, é um agente que lidera As Panteras. Eles recebem ordens de um chefão misterioso, Charlie (voz de John Forsythe na série e também no filme de 2000), que nunca dá as caras, apenas comanda tudo por meio de um aparelho de telefone. Bill Murray encarnou Bosley no primeiro longa, mas uma briga com Lucy Liu nos bastidores o tirou de campo, sendo substituído em 2003 por Bernie Mac.
Agora: Bosley se multiplicou. Como a organização ganhou sucursais ao redor do mundo, homens e mulheres variados assumiram o posto de “Bosley”. Três se destacam no filme de 2019: Patrick Stewart, que está se aposentando; Djimon Hounsou, que treina Jane (Ella); e Elizabeth Banks – diretora do filme e que dá ao papel, pela primeira vez, uma voz feminina. Já Charlie revela-se uma surpresa ao fim da produção.
Armas
Antes: Drew Barrymore fez um pedido para os filmes de 2000 e 2003: nada de armas de fogo nas mãos das atrizes. A decisão deu ao longa a chance de ampliar o uso de absurdas e interessantes cenas de luta entre as moças e os vilões – estes sim, armados até os dentes. Na série dos anos 1970, armas estavam liberadas.
Agora: Apesar de Drew ser produtora do novo longa, as armas voltaram ao cenário, especialmente nas mãos de Jane (Ella), responsável pelas cenas de ação mais elaboradas – ela emerge como um Tom Cruise da ação feminina.
Feminismo
Antes: Apesar de surfar na segunda onda do feminismo, que começa nos anos 1960, a série de TV tinha como trunfo, na ótica do movimento, o simples fato de emplacar agentes duronas como protagonistas de um programa de ação, terreno dominado pelo sexo masculino. Fora isso, o seriado não fugia dos estereótipos: as três eram comandadas por homens, portavam-se com frequência com o corpo à mostra, e apenas seduziam, mas não se apaixonavam. Nos anos 2000, as três são mais, por assim dizer, poderosas, e ainda se dão ao luxo de ter relacionamentos: os namorados, aliás, são os ingênuos que não sabem o que está acontecendo.
Agora: De longe a produção mais feminista da franquia, o novo filme entra de cabeça no espírito do empoderamento feminino do século XXI. Elena (Naomi Scott) é constante vítima de machismo na empresa de tecnologia onde trabalha: não é ouvida pelo chefe, que a corta o tempo todo — e ainda pega em sua mão de forma inapropriada —, e é alvo de investidas de um segurança sem noção: em ambos os casos, o jogo vira a favor da moça. O ator Sam Claflin interpreta um ricaço histérico — com características geralmente aplicadas às mulheres na ficção, com hilários “pitis”. Ter uma mulher como Bosley é outro reflexo dos novos tempos. Já os momentos típicos de sedução e roupas provocativas existem, mas foram reduzidos comparados aos antecessores.