Só poucos – aliás, pouquíssimos – privilegiados tiveram a chance de conhecer de perto o cotidiano de João Gilberto. Recluso, intempestivo, obsessivo e genial, o mestre maior da Bossa Nova conquistou o mundo com sua batida diferente e sua voz irretocável. Aliada à fama planetária, o artista, morto em 2019, aos 88 anos, despertou também mundo afora enorme curiosidade em torno da rotina singular que levava. O que não falta são especulações sobre as manias do músico – várias delas verídicas –, de como era a vida no apartamento do Leblon, bairro carioca onde ele morou, e de quem ele permitia ter acesso ao seu mundo particular.
É exatamente a intimidade do músico baiano, revelada por familiares e grandes pesos da Música Popular Brasileira, que dá o tom do documentário Bim Bom, Na Batida do João, produzido por VEJA em parceria com a produtora Doc. Films. O terceiro e último episódio da série (O Dono da Bossa, O Gênio da Perfeição e A Voz) está disponível a partir deste domingo, 10, no site da revista. A produção, que consumiu mais de vinte horas de gravações e reuniu duas dezenas de depoimentos, conta com a participação de nomes como Gilberto Gil, Baby do Brasil, Roberto Menescal, Dori Caymmi e Jards Macalé.
Imagens que desvelam o dia a dia do gênio do banquinho e o violão e um relato raro de sua filha caçula – a estudante de cinema Luísa Carolina, de 19 anos, da união com a jornalista e artista plástica Claudia Faissol – fazem parte do trabalho. O documentário ainda brinda o público com trechos inéditos de duas canções de João Gilberto, uma feita para a neta Sofia Gilberto, de 7 anos, filha do músico João Marcelo e da produtora Adriana Magalhães, e outra redescoberta há pouco tempo por Roberto Menescal.
No terceiro episódio de Bim Bom, Na Batida do João, os espectadores têm a chance de saber um pouco sobre o nervosismo antes das apresentações que acometia por completo o artista, famoso por atrasos intermináveis e recorrentes cancelamentos de shows. “Ele perdia a noção da hora e ninguém tinha coragem de levar um reloginho até lá. Nesses momentos, era como pisar em ovos”, descreve a ex-companheira Claudia Faissol. As extravagâncias do mestre da Bossa Nova também são reforçadas no depoimento de Roberto Algranti, advogado e amigo do artista. Certa vez, João Gilberto o convidou para jantar fora, quando chegou a marcar dia e hora de passar em sua casa. Na tal noite, ao invés de contar com a esperada companhia do músico, Algranti foi surpreendido em casa por um banquete de um restaurante de luxo enviado por ele.
Essa é uma das muitas histórias pitorescas reveladas no documentário. Ao longo dos três episódios disponibilizados agora no site de VEJA, os espectadores têm a chance de conhecer passagens inéditas envolvendo o músico, como quando João Gilberto foi confundido com um policial ao chegar ao apartamento onde viviam em comunidade os integrantes dos Novos Baianos, no início dos anos 1970. Ou então quando Stella, mulher de Dorival Caymmi, o recebeu com um palavrão impublicável e o barrou em seu apartamento após ter se atrasado quatro horas para um jantar. Ou ainda quando um médico, designado para acompanhar sua preparação para uma turnê no Japão, descobriu que o artista era vítima de uma síndrome – que tinha a ver com sua obsessão pela perfeição – e conseguia relaxá-lo quando tocavam juntos ao violão mantras hindus. O documentário ainda descreve o processo pelo qual João Gilberto chegou à batida que deu origem à Bossa Nova contado por quem viu de perto o nascimento do gênero que pôs o Brasil no mapa mundial da música.