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‘Beirute voltou aos anos 90’, diz escritor que ‘previu’ explosão no Líbano

Pierre Jarawan, autor de 'No Final Ficam os Cedros', recém-lançado no Brasil, fala a VEJA sobre o país e sua obra

Por Luísa Costa Atualizado em 20 ago 2020, 15h14 - Publicado em 15 ago 2020, 15h14
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  • Para se tornar um autor de best-seller, o escritor precisa, sobretudo, dar sorte. Aparentemente, Pierre Jarawan deu. Poucas publicações conseguem capturar o momento histórico como seu livro No Final Ficam os Cedros, publicado na Alemanha em 2016, mas que recebeu uma versão brasileira apenas nesta semana (que você pode conferir aqui). A história de Samir, imigrante libanês na Alemanha cuja família é abandonada pelo pai durante sua infância e, quando adulto, sai em busca de seu paradeiro no país do Oriente Médio, “está para o Líbano assim como O Caçador de Pipas está para o Afeganistão”, anunciou o jornal britânico Guardian. Talvez nem ele gostaria de ter previsto o que aconteceu em 4 de agosto, no porto da capital Beirute, mas foi exatamente o que fez ao escrever seu livro.

    Com uma narrativa que alia memórias de infância, suspense e história libanesa, o autor alemão, filho de pai libanês e mãe alemã, nos apresenta um trecho que ganhou contornos proféticos no início do mês, quando uma quantidade gigantesca de nitrato de amônio explodiu no porto de Beirute, matando 171 pessoas, ferindo 6.500 e deixando mais de 3.000 desabrigados: “Acredite em mim quando lhe digo – começa Nabil, depois de tomar fôlego rapidamente – essa crise é única. Até agora, conseguimos lidar com ela. Por quê? Porque fazemos o que é a nossa especialidade: negar a realidade e nos mostrar prestativos. Só que uma hora tudo isso irá pelos ares. Não digo entrar em colapso e nem ruir. Quero dizer explodir, todo esse maldito barril de pólvora.” (p.199) É cedo para comparar o livro de estreia de Jarawan, 35 anos, que começou sua vida literária como poeta de slam (o “repente” moderninho), ao colosso de vendas do escritor americano-afegão Khaled Hosseini. O romance teve primeiros passos notáveis e se tornou um best-seller na Alemanha.

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    Pierre Jarawan, autor de ‘No Final Ficam os Cedros’, fala sobre o Líbano: “O governo não está interessado em proteger as pessoas.” (//Divulgação)

    “Eles estão reconstruindo Beirute desde 1990, desde o fim da Guerra Civil, e ainda não haviam concluído. Agora a cidade toda volta a se parecer com a dos anos 90. Trinta anos de reconstrução foram destruídos.”

    Pierre Jarawan

    Fã de autores americanos como Philip Roth, Joh Irving e Margaret Atwood, Pierre quis usar o o mistério da trama para que ela fosse lida de modo a reter as mais variadas nuances da política e sociedade libanesa desde o início da Guerra Civil (de 1975 a 1990). Isso, ele consegue. “Prefiro dar a sensação do que é estar no Líbano do que tentar explicá-lo”, diz Jarawan em entrevista a VEJA. Personagens como Nabil, o motorista que acompanha o herói Samir em sua busca, explicam também ao leitor as tensões religiosas do país e como ele se tornou, literalmente, um barril de pólvora, sem embaçar a leitura ou parecer pedante.

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    Apesar de alemão, Pierre visita o país natal de seu pai desde a infância, nos verões: “Era como um país de férias para mim”, conta. “Apenas aos 16 ou 17 eu fui entender o que de fato acontecia ali e que não era um lugar perfeito. Meu pai não gostava de falar sobre o Líbano.” Admitindo colocar muito de si em seus personagens “como todo escritor”, ele vê semelhanças e diferenças na sua trajetória com a do protagonista. Samir só conhece o país pelas histórias idílicas do pai que, por alguma razão misteriosa, desaparece o deixando apenas com uma foto. A sensação de culpa e as frustrações criam em Samir o desejo de encontrá-lo onde seria mais provável, o “paraíso” imaginado do Líbano. Jarawan, por sua vez, conta que recebia o afeto de sua família libanesa uma vez por ano em um cenário de veraneio, mas que seu pai não gostava muito de falar sobre este paraíso incrustado na região politicamente mais instável do planeta. A razão está provavelmente na guerra que dividiu seus cidadãos em dois lados: de um, os cristãos maronitas e os muçulmanos sunitas, e de outro os muçulmanos xiitas, além da constante interferência síria que teimava em considerar o país uma parte de seus domínios.

    O livro frisa que, dos 5 milhões de habitantes, cerca de um quinto são de refugiados sírios, o que torna o país uma nação acostumada com pedidos de asilos políticos e humanitários dentro ou fora dele. Decepcionado, mas não surpreso com a explosão que levou o Líbano novamente às manchetes internacionais, o autor relembra desolado: “Eles estão reconstruindo Beirute desde 1990, desde o fim da Guerra Civil, e ainda não haviam concluído. Agora a cidade toda volta a se parecer com a dos anos 90. Trinta anos de reconstrução foram destruídos.” Sobre a quantidade de material explosivo armazenada perto do centro da capital, ele desabafa: “O governo não está interessado em proteger as pessoas”.

    Sem procurar culpados, o autor lembra que o grupo terrorista Hezbollah é um “veneno” para o país, e que a nova reconstrução, aliada aos protestos que não pouparam os extremistas, pode ajudar na construção de um país menos conflituoso. “Parece que nada vai funcionar no Líbano sem o Hezbollah. É um grupo esperto, que constrói hospitais e escolas, que provê a população. Mas é uma organização terrorista. Parece que nada funciona sem ele, mas nada vai funcionar com ele”, conclui.

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    Em tempo: após a queda de ministros e do premiê, Hassan Diab, pelos protestos que tomam a cidade desde o estrondo, o Hezbollah se posicionou contra o estabelecimento de um governo neutro. Os Poderes do país haviam se reestruturado, permitindo que maronitas, sunitas e xiitas ocupassem o Executivo, o Legislativo e o Judiciário de forma quase equivalente. Será uma reconstrução difícil.

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