Fortaleça o jornalismo: Assine a partir de R$5,99
Continua após publicidade

Brinquedos fora do armário: empresas perdem medo de apostar na diversidade

Ao vislumbrar a maior aceitação dos pais 'millennials', companhias vêm desbravando esse terreno — já tem até versão LGBTQIA+ do Lego

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 13h44 - Publicado em 28 Maio 2021, 06h00

Como tantas pessoas durante a pandemia, o inglês Matthew Ashton, 45 anos, decidiu mudar os móveis de lugar e dar uma nova cara à sua casa vertida em home office. Vice-presidente de design da Lego, empresa dinamarquesa dos indefectíveis bonequinhos e blocos de montar que dispensam apresentação, Ashton fez uma escultura de 10 centímetros de altura com as peças coloridas, formando um arco-íris para decorar o ambiente. O objeto que aparece ao fundo de suas videoconferências chamou a atenção de amigos, especialmente dos que compartilham com ele uma experiência de vida similar: quando criança, ainda sem saber o que ser gay significava, Ashton era vítima de bullying na escola. O que mais o machucava, porém, era a insistência dos adultos em obrigá-lo a “agir como um menino”. “Eu achava as meninas incríveis e não entendia por que não podia brincar com elas”, contou Ashton a VEJA.

As imposições deixaram marcas emocionais, mas não o impediram de assumir sua orientação sexual na vida adulta: “Eu nasci gay, não é algo que se aprende”. Há 21 anos na Lego, onde criou coleções de sucesso, do selo Star Wars ao popular Ninjago, além de assinar a produção executiva de filmes que somam 1 bilhão de dólares em bilheteria, Ashton abraçou os elogios à sua colorida e despretensiosa nova criação e decidiu, finalmente, mimar a criança que ele foi com o brinquedo que nunca pôde ter. No próximo dia 1º de junho, no mês do orgulho LGBTQIA+, chega ao mercado a invenção de Ashton: o kit Everyone Is Awesome (Todo mundo é incrível), modelo com 346 peças e onze bonequinhos monocromáticos, representando as cores do arco-íris, símbolo do movimento gay.

PARA “TODXS” - Bonecos sem gênero da Mattel: roupas e perucas para montar como quiser -
PARA “TODXS” - Bonecos sem gênero da Mattel: roupas e perucas para montar como quiser – (//Divulgação)

O conjunto é mais que um brinquedo. Na esteira de ações de outras empresas voltadas ao público infantil, a Lego marca, assim, uma posição simbólica, que atende não só à correção política em prol da diversidade, mas também a um setor carente e em expansão. Em uma das iniciativas pioneiras, a Mattel, casa da Barbie, lançou em 2019 uma coleção de bonecos sem gênero — com perucas e roupas de diferentes estilos para a criança montar como quiser. Neste ano, a Hasbro anunciou que daria à tradicional família Senhor e Senhora Cabeça de Batata a possibilidade de mudança de gênero: a criança pode vislumbrar a família que reflete sua realidade — inclusive com dois pais ou duas mães.

Continua após a publicidade

A principal barreira — que já começou a ruir — é o velho estigma que dita o que é supostamente ideal para meninos ou meninas, seleção que pode influir no tipo de personalidade e de habilidades que a criança terá, mas de forma alguma altera sua orientação sexual. “Desenhos e brinquedos com diferentes identidades sexuais não ‘ensinam’ alguém a ser gay”, diz a especialista em psicologia infantil Lidia Weber, da Universidade Federal do Paraná.

Uma pesquisa de 2017 do Pew Research Center nos Estados Unidos mostrou que 76% das famílias incentivam meninas a participar de brincadeiras e atividades consideradas masculinas, enquanto 64% estimulam os garotos a brincar com itens femininos. A porcentagem cresce para 80% e 71%, respectivamente, quando isolados os pais millennials, com menos de 36 anos. “Se uma criança tiver a liberdade de brincar com o que quiser, seu potencial será mais bem explorado”, afirma Lidia Weber. Ela explica que brinquedos ditos de menino costumam encorajar riscos, competições e exploração científica, enquanto os de meninas são direcionados à afetividade e às habilidades domésticas — um conjunto de capacidades, enfim, que não devem se restringir só a um gênero.

NA TV - The Loud House: o desenho da Nickelodeon tem família homoafetiva -
NA TV – The Loud House: o desenho da Nickelodeon tem família homoafetiva – (//Divulgação)
Continua após a publicidade

Desbravar esse terreno tem sido um esforço notável. Na TV e no cinema, grandes estúdios enfrentaram críticas na mesma medida em que arrebanharam elogios ao apresentar personagens gays em filmes e desenhos animados. Em 2016, a Nickelodeon introduziu o primeiro casal homoafetivo (e inter-racial) do canal, no desenho The Loud House. A notícia enfureceu algumas famílias americanas, que ameaçaram fazer um boicote. Em resposta, o canal aumentou a participação dos novos personagens.

Voltada a crianças de 2 a 11 anos, a Lego se sentiu confortável para homenagear o público LGBTQIA+, por saber que conta com um fiel séquito de consumidores adultos. A aposta nesse público, especialmente na pandemia, com pessoas ociosas e ansiosas em casa, levou a empresa a crescer 13% em 2020, alcançando receita de 7 bilhões de dólares. “A nova coleção não visa ao lucro, mas a passar a mensagem de que a criatividade para se expressar está ao alcance de todos, sem exclusão”, diz Ashton. O ouro no final do arco-­íris ficou mais colorido.

Publicado em VEJA de 02 de junho de 2021, edição nº 2740

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 5,99/mês*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (equivalente a 9,98 por revista)

a partir de 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.