Cannes: Refugiado sírio vira super-herói em filme húngaro
A ideia boa sofre com execução ruim de Kornél Mundruczó, que desperdiçou visual elaborado com uma abordagem controversa
A premissa de Jupiter’s Moon (“a lua de Júpiter”, na tradução livre), do húngaro Kornél Mundruczó (White God), até que é boa: o sírio Aryan (Zsombor Jéger) leva um tiro ao tentar fazer a travessia da fronteira da Hungria e passa a ter a capacidade de levitar. A ideia de um refugiado meio super-herói, ou pelo menos mutante, quem sabe um anjo, é curiosa. Mas a verdade é que o diretor não sabe muito o que fazer com isso, como ficou claro na sessão de imprensa na noite da quinta-feira (18) no Festival de Cannes, que teve algumas vaias animadas em meio a aplausos igualmente entusiasmados.
Aryan se perde do pai quando o bote em que estavam vira. O rapaz fica então à mercê de quem encontrar. Por exemplo, o médico Stern (Merab Ninidze), que vê na habilidade adquirida pelo refugiado – ou “alien”, alienígena – uma maneira de lucrar. Mundruczó tenta também incluir uma parábola religiosa, em que o cínico e agnóstico Stern precisa colocar o interesse do outro diante dos seus para se redimir. Mas o tema também se perde em inconsistências e na falta de um desenvolvimento mais interessante dos personagens.
Piora quando, ao inserir elementos de thriller, com um plano para estourar uma bomba usando o pai de Aryan como laranja, o cineasta deixa implícito que a entrada de muçulmanos fatalmente levará a um ataque terrorista. Para um filme que parecia a favor do abrigo de refugiados, é um problema e tanto. Fica claro que falta uma cabeça pensante mais coerente no comando de Jupiter’s Moon, que poderia também ter passado sem a dublagem do ator georgiano Merab Ninidze, que só distrai.
Mundruczó vai melhor no visual, com algumas sequências impactantes como a inicial, da chegada dos refugiados, recebidos a bala pela polícia húngara, e aquelas em que Aryan flutua. Da próxima vez, é melhor colocar as ideias em ordem antes de começar a filmar.