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“Censuram a reflexão”, diz autor do banido ‘O Avesso da Pele’

Jeferson Tenório se viu arrastado para o centro de uma polêmica que reforça quanto ainda é difícil cutucar o racismo no Brasil

Por Mafê Firpo Atualizado em 3 jun 2024, 17h13 - Publicado em 21 mar 2024, 18h57
NA MIRA - O premiado 'O Avesso da Pele': vetado de redes públicas, o texto toca no preconceito ainda latente
NA MIRA – O premiado ‘O Avesso da Pele’: vetado de redes públicas, o texto toca no preconceito ainda latente (./.)

Autor de O Avesso da Pele (Companhia das Letras), vencedor do Prêmio Jabuti de melhor romance literário, Jeferson Tenório se viu arrastado para o centro de uma polêmica que reforça quanto ainda é difícil cutucar o racismo no Brasil. Por iniciativa de governos estaduais, seus livros foram banidos de escolas públicas do Paraná, Mato Grosso do Sul e Goiás, sob a alegação de conter conteúdo “pornográfico” e servir para “doutrinar” os estudantes em relação à violência racial. Ele concedeu a VEJA a seguinte entrevista.

Em que medida o recolhimento de seu livro das salas de aula mostra a dificuldade de tratar do racismo no país? Entendo esse gesto, de essência autoritária, como uma total inaptidão em abordar um tema ainda hoje tão necessário. Não à toa, aconteceu em estados de pendor mais conservador. Vetar sua leitura é um ato por si só racista.

Uma justificativa para a medida é um suposto teor sexual na obra. Isso procede em algum grau? Não faz nenhum sentido. O leitor que procurar erotismo ali vai ficar frustrado. As cenas mais explícitas têm o propósito intelectual de promover uma reflexão sobre como corpos negros são vistos por pessoas brancas, que se referem a eles de forma crua, violenta e às vezes chula.

Criticam o livro por doutrinação. Ele acaba tendo um único viés? Estão fazendo uma leitura equivocada, esta sim enviesada pelo olhar da extrema direita. Ela entende a escola como um lugar “higienizado”, e não como um palco para discussões mais amplas. Agora, o racismo é mesmo intolerável e aí reside um nó gravíssimo de nossa sociedade. É essa violência racial, para a qual chamo atenção, que deveria chocar.

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Como compara esse episódio à censura de obras de Monteiro Lobato no passado? Sou contra qualquer forma de censura, mesmo que não concorde com o conteúdo. Havia, sim, um racismo em Monteiro Lobato, mas acho que a solução nunca é vetar a leitura de um livro. A ideia é justamente usá-lo para enriquecer a conversa.

Racismo deveria ser parte do currículo escolar, como matemática ou português? Sem dúvida. O papel da educação é também preparar crianças e jovens para semear um mundo com menos preconceito.

Publicado em VEJA de 22 de março de 2024, edição nº 2885

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