Christian Malheiros, da periferia de Santos ao estrelato internacional
Em 'Sintonia' e '7 Prisioneiros', da Netflix, ator de 22 anos é reconhecido em festivais internacionais e se firma como grande aposta do cinema nacional
Era 16 de novembro de 2018, Christian Malheiros recebeu uma mensagem com um link que dizia: “Ator brasileiro é indicado ao Oscar do cinema independente”. No mercado com a mãe, abriu a reportagem, intrigado, instantes antes de perceber que era ele a quem o texto se referia. Indicado ao Independent Spirit Awards pelo protagonismo em Sócrates (2018), seu longa de estreia, o jovem, então com meros 19 anos, concorria com Joaquin Phoenix, por Você Nunca Esteve Realmente Aqui, e Ethan Hawke, vencedor por Fé Corrompida. A nomeação ao prêmio americano, do qual “nunca tinha ouvido falar”, foi um prelúdio dos anos que se seguiram: de lá pra cá, o ator, hoje aos 22, se firma como um nome em ascensão no audiovisual brasileiro.
Parte do elenco de Sintonia, série da Netflix de audiência estrondosa no Brasil e também no mundo, Malheiros voltou a arrebanhar elogios fora do país com o filme 7 Prisioneiros, exibido no Festival de Veneza em setembro. Na trama, também da Netflix, que estreia em 11 de novembro, ele divide o protagonismo com Rodrigo Santoro. Publicações internacionais relembraram o bom trabalho do rapaz em Sócrates, caso da revista americana Variety, que caracterizou a atuação de Malheiros no novo filme como “uma presença natural e comovente” e “dono de uma força robusta, mas graciosa”.
7 Prisioneiros acompanha um grupo de jovens que sai do interior para trabalhar em São Paulo — e cai em uma perturbadora rede de escravidão contemporânea. Mateus (vivido por Malheiros) se divide entre as opções que lhe garantem a sobrevivência, desde a obediência servil até uma controversa associação com o carrasco que os mantêm presos.
Se no cinema Malheiros conquista a crítica especializada, é como Nando em Sintonia, que ele de fato alcançou a fama. Na série, ele é um dos três amigos protagonistas, que, criados juntos em uma periferia de São Paulo, seguem rumos diferentes: enquanto um se destaca no funk e outra enverga para a religião, Nando se embrenha no tráfico de drogas na tentativa de prover para a esposa e o filho pequeno. Não é um papel muito distante de Sócrates, no qual vive um comovente jovem gay sem-teto na Baixada Santista, nomeado no título, que também parte em busca de uma vida melhor. “Essa é a minha história também”, disse Malheiros, certa vez. Filho de migrantes baianos e criado na periferia de Santos, o ator encontra na própria história correspondências com os personagens da ficção, que não são tão inventados assim. Não fosse o teatro, “talvez tivesse seguido um caminho semelhante”, relata ele.
Aos 9 anos, Malheiros deu início à trajetória no mundo artístico, quando, escondido da mãe, começou um curso de iniciação teatral na escola onde estudava. Encantado pelo trabalho de ator, emendou aulas gratuitas para se aperfeiçoar, até que, com 15 anos, conseguiu um curso de profissionalização na escola de artes cênicas de Santos. Foi lá que chamou a atenção do diretor Alexandre Moratto em 2018, cabeça por trás de Sócrates e 7 Prisioneiros: “Estava fazendo a pesquisa de elenco na Baixada Santista e testei mil jovens para o papel. Quando bati o olho no Christian, sabia que tinha encontrado meu protagonista”, disse a VEJA. Em julho deste ano, o ator também fez uma palinha em Sessão de Terapia como o motoboy Tony, um dos pacientes do terapeuta vivido por Selton Mello.
Exceto pela série de sucesso do Globoplay, na qual se abre diante do psicólogo, Malheiros, em seus demais trabalhos, faz uso de um recurso difícil, mas muito bem explorado por ele: o silêncio. “O artista quer explicar o inexplicável”, disse o ator. “Mas, tanto Sócrates como Mateus vivem situações tão cruéis que não tem nada que eu possa falar que vá conseguir exprimir a dor deles. Você vai explicar o que numa situação de exploração, cara? O que é que eu tenho para falar sobre isso? O silêncio é a resposta, mesmo não sendo uma resposta.” Diante do indizível, é na arte que se encontra o retrato mais aprumado da realidade – e que bom que existem artistas como Malheiros para isso.