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Clássico criminal ‘Morte no Nilo’ virou vítima das redes antes de estrear

Filme é uma adaptação certinha, mas que peca por excesso de fidelidade ao original

Por Felipe Branco Cruz Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 12h41 - Publicado em 11 fev 2022, 06h00

 Em uma enlameada trincheira da I Guerra, um destacamento aliado está prestes a cumprir uma ordem de ataque suicida. Mas eis que um altivo soldado belga, impecavelmente vestido, surge com a ideia de uma ação alternativa que se prova brilhante, salvando a vida do batalhão — mas rendendo-lhe um pavoroso ferimento no rosto. No hospital, ele ouve da namorada que um bigode — um bigodão, no caso — disfarçaria a cicatriz. A sequência inicial de Morte no Nilo, já em cartaz nos cinemas, é um belo exercício imaginativo do diretor Kenneth Branagh, capaz de injetar graça na adaptação da trama criada por Agatha Christie em 1937. Nos quase quarenta livros sobre o detetive Hercule Poirot, a escritora britânica pouco revelou sobre sua vida pregressa — daí a hilariante explicação de Branagh (que também volta a dar vida ao personagem) para a origem de seu famoso mustache.

Morte no Nilo
Coleção Agatha Christie – Box 1

Pena que essa introdução logo se revele uma exceção criativa no filme que dá sequência à prometida trilogia de histórias de Poirot iniciada por Branagh em 2017 com O Assassinato no Expresso do Oriente. Morte no Nilo segue os passos do filme anterior em matéria de apuro: além da presença sempre classuda do ator e diretor irlandês, a fotografia dos salões e paisagens egípcias é luxuosa. É uma adaptação certinha, mas que peca por excesso de fidelidade ao original: após aquele voo inicial tão interessante, o filme se atém à fórmula do clássico whodunit de Agatha Christie, um mistério na linha “quem matou?” de solução sempre intrincada, mas que a esta altura do século XXI merecia um tratamento menos bidimensional.

Coleção Agatha Christie – Box 2
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Ainda assim, Morte no Nilo é um passatempo satisfatório, e que só ganha em curiosidade (ou apelo sádico) à luz dos perrengues que a produção enfrentou. Com previsão de estreia no ano passado, o filme foi sendo adiado conforme a pandemia avançava. Nesse ínterim, os três principais atores da trama sobre uma série de assassinatos em um barco em excursão pelo Nilo se viram envolvidos em controvérsias mais cabeludas que o bigode de Poirot: todos embarcaram na nau dos cancelados das redes sociais. A israelense Gal Gadot incorreu na ira tanto de judeus quanto de palestinos — injustamente — ao se posicionar de um jeito isentão nos conflitos do Oriente Médio em 2021. Bem menos defensável, a atriz Letitia Wright torrou todo o moral ganho com Pantera Negra por causa de sua notória militância antivacina — o que já afetou inclusive a produção da sequência do sucesso da Marvel. Mais triste ainda, porém, é o caso do ator Armie Hammer. Projetado no filme cult Me Chame pelo Seu Nome, ele vivia seu momentum na carreira quando, em meados do ano passado, foi denunciado por estupro e até tentativa de canibalismo por mulheres. Afastado de vários projetos, Hammer foi mantido em Morte no Nilo porque todas as suas cenas já haviam sido gravadas. Perto de tantas reputações assassinadas, o desafio de Poirot na trama é fichinha.

Publicado em VEJA de 16 de fevereiro de 2022, edição nº 2776

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