Na recém-lançada série documental Meu Amigo Bussunda (Globoplay), você admite que certas piadas do Casseta & Planeta já não cairiam bem. O humor da trupe não funcionaria em 2021? Espero que não — afinal, já faz vinte anos. Tenho um baita orgulho do que fizemos, mas avaliar nosso humor com a régua atual é uma atividade intelectualmente tosca, e até perigosa. Não erramos ou cometemos crimes, nem fazemos mea-culpa. Mas nossas piadas não fariam sentido hoje.
As piadas daquela época agora seriam consideradas racistas, homofóbicas, misóginas e bairristas. A liberdade era maior? A censura tinha acabado havia pouco e não existia algoritmo. Era o bundalelê. Tudo estava liberado. Pega esse fervilhar e temos a TV Pirata, o Programa Legal, o Casseta.
É mais difícil fazer humor hoje? Hoje, você é afogado em piadas. A quantidade de memes que vêm de tudo quanto é lado e fazem a gente rir é imensa. O humor não está em crise. Um programa do passado que dava 90% de audiência diz menos sobre o programa e mais sobre a época, porque era a única coisa que tinha para ver. Naquele tempo, o Whindersson Nunes jamais surgiria. Ele começou no quarto dele, no Piauí, e hoje, sozinho, tem mais audiência que TVs abertas. Para quem gosta de liberdade de expressão e democracia, não dá para reclamar.
A morte do Bussunda, aos 43 anos, em 2006, antecipou o fim do programa na TV? Foi insignificante para o programa, se comparado com o impacto muito maior em nossa vida real. Bussunda era meu amigo. Não deixar a peteca cair foi uma forma de homenageá-lo também. Obtivemos a maior audiência do programa um ano depois da morte dele.
O que o Bussunda estaria fazendo se estivesse vivo? Com certeza, não estaria fazendo as piadas que ele fez quando tinha 20 anos. Mas ele era muito inteligente, muito rápido. Ele se daria bem em plataformas de vídeos curtos, como TikTok e Instagram. O resto é futurologia.
Seu colega Marcelo Madureira fez uma guinada para a direita. Como as diferenças políticas do grupo eram administradas? Marcelo sempre foi mais para esse lado, mas andou levando pancada de bolsonaristas. Nossa regra sempre foi: o grupo não apoia ninguém. Não tenho nada contra o Marcelo ter posições à direita, ou um Gregorio Duvivier estar à esquerda. Mas o humor engajado é menos engraçado.
Publicado em VEJA de 28 de julho de 2021, edição nº 2748