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Como o Oscar se afastou do público e virou a batata quente de Hollywood

Com audiência em queda, prêmio sofre na tentativa de se manter relevante em meio a polêmicas, protestos e decisões equivocadas de seus organizadores

Por Juliana Varella Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 22 fev 2019, 10h01 - Publicado em 22 fev 2019, 08h00
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  • Um clima de mudança se faz sentir às vésperas do Oscar 2019. Depois de encarar, no ano passado, a pior audiência desde que o instituto de pesquisa Nielsen começou a monitorar seus números, em 1974, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, que organiza o prêmio, parece determinada a reverter as estatísticas e recuperar a relevância de seu evento mais tradicional, aos olhos de um público cada vez menos impressionado por seu glamour, suas piadas e seu tapete vermelho.

    Desconectado

    A queda de audiência dificilmente é consequência de uma única falha – como a Academia faz crer ao prometer mudanças tão pontuais quanto o encurtamento da cerimônia –, mas é o resultado de um longo processo de transformação tanto na forma como o público encara a premiação quanto na própria natureza dos filmes que chegam aos cinemas. Em geral, a impressão que se tem é a de que o Oscar já não fala a mesma língua do seu espectador.

    Prova disso está nas bilheterias. Uma comparação entre as obras que ganharam o prêmio máximo e os favoritos do público a cada ano mostra um distanciamento progressivo entre a opinião da Academia e a das pessoas que assistem aos filmes nos cinemas. O último título abraçado pelas massas a ganhar o Oscar foi O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei, que, em 2003, foi o longa mais visto nos cinemas americanos. Desde então, nenhum vencedor do prêmio figurou sequer entre os dez mais vistos.

    Nos últimos catorze anos, o vencedor do Oscar mais bem colocado nas bilheterias foi Os Infiltrados, em 2007, o 15º filme mais visto do ano anterior. Em 2010, Guerra ao Terror levou a estatueta dourada (a primeira com uma mulher na direção) apesar de quase não ter sido visto – ele ocupa o assombroso 116º lugar no ranking de 2009. Nos últimos anos, quem chegou mais perto desse recorde negativo foi Moonlight: Sob a Luz do Luar, vencedor do Oscar em 2017 que foi apenas o 92º longa mais procurado nos cinemas americanos.

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    Para quem pensa que o Oscar foi sempre um contraponto mais intelectual à cultura dos blockbusters, a verdade é que os números sugerem o contrário. Antes de 2005, produções premiadas tendiam a ter um bom desempenho nas bilheterias, mesmo que, às vezes, a vencedora estivesse apenas entre as vinte maiores do ano. Entre 1981 e 2004, quatro longas premiados foram também os de maior bilheteria nos Estados Unidos e, ao todo, quase 60% figuraram entre os dez mais.

    Nas primeiras décadas de premiação, filmes de sucesso como …E O Vento Levou, Rebecca, a Mulher Inesquecível, Casablanca e A Malvada também levaram o prêmio e, entre os anos 50 e 60, uma sequência de campeões de bilheteria ergueram a estatueta – incluindo A Ponte do Rio Kwai, Ben-Hur, Amor, Sublime Amor, Lawrence da Arábia, Minha Bela Dama e A Noviça Rebelde.

     

    Os anos 2000

    Por que, então, a Academia subitamente passou a premiar filmes tão inexpressivos em termos de bilheteria e público? A resposta, possivelmente, está numa mudança que veio de dentro dos próprios estúdios. A partir dos anos 2000 (e, mais lentamente, desde os anos 80), as superproduções épicas e dramáticas que costumavam ocupar os primeiros lugares no ranking começaram a ser substituídas por franquias de aventura, voltadas para o público adolescente, jovem adulto ou infantil. Quando estas se revelaram uma mina de ouro incansável para Hollywood, a repetição foi a consequência mais óbvia.

    Na prática, isso significou que mais sequências, remakes e extensões de sucessos anteriores passaram a dominar os cinemas, tornando cada vez mais improvável uma indicação ao Oscar. Foi nessa época que nomes de super-heróis, heroínas, vampiros, robôs e piratas se tornaram onipresentes no topo do ranking, quase sempre acompanhados por um sufixo indicando um “episódio” ou “parte”. Mesmo que alguns desses lançamentos tivessem qualidade técnica ou narrativa para merecer indicações, um preconceito foi rapidamente se formando em meio a uma Academia ainda fortemente apegada a outros tempos.

    Isso não significa que filmes de grande bilheteria não tenham, pelo menos, recebido indicações ao prêmio principal nas últimas décadas. Os dois primeiros longas da trilogia O Senhor dos Anéis chegaram a ser indicados antes de o terceiro, finalmente, ganhar a honraria. Outros longas populares como Toy Story 3 e Sniper Americano também estiveram entre os concorrentes (veja gráficos ao final desta reportagem). Porém, na maioria das vezes, essas produções são reconhecidas apenas nos prêmios considerados “técnicos”, como efeitos visuais, fotografia e edição de som.

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    Tão branco, tão masculino, tão homogêneo

    Curiosamente, o público parece não ter se preocupado tanto com a falta de indicações a filmes “populares” quanto com a falta de consciência social do maior prêmio de Hollywood. Em 2016, a cerimônia foi marcada por um movimento de dimensões inéditas que começou semanas antes da entrega dos prêmios e acabou desviando a atenção dos vencedores na noite da festa. Quando a lista de indicados foi anunciada, a hashtag #OscarSoWhite (Oscar tão branco) começou a circular nas redes sociais, chamando a atenção para a completa ausência de negros e latinos entre os indicados nas quatro categorias de atuação.

    O movimento ganhou tanta força que, no ano seguinte, a Academia convidou um número recorde de novos membros para integrar o corpo de jurados, incluindo 39% de mulheres e 30% de negros – uma tentativa de diversificar um grupo que, até 2016, era 94% caucasiano, 77% masculino e tinha uma média de idade de 62 anos.

     

    Mudanças à vista ou não

    Recuperar o prestígio do Oscar e, com ele, a audiência da transmissão não será fácil e a Academia, até agora, se mostrou bastante atrapalhada nessa missão. Em agosto de 2018, o grupo anunciou o lançamento de uma nova categoria na premiação, coisa que não acontecia desde que o prêmio de melhor animação foi criado em 2001. A novidade, porém, saiu pela culatra quando foi revelado que a nova categoria seria para “filmes populares”: tanto o público quanto profissionais da indústria protestaram, acusando a instituição de excluir tais longas da corrida principal, julgando-os indignos de levarem o grande prêmio da noite. A Academia voltou atrás e adiou indefinidamente a mudança. Ela nunca divulgou os critérios que usaria na seleção.

    Mais recentemente, o Oscar anunciou outra medida impopular: ele entregaria quatro prêmios durante os intervalos da transmissão ao vivo para exibi-los depois, já editados. Mais uma vez, a organização desistiu da mudança diante de uma reação negativa do público e da indústria – teve até abaixo-assinado – e tudo voltou a ser como antes.

    Também de olho na audiência, o Oscar deste ano incluiu três filmes de grande sucesso comercial na categoria principal, sendo que um deles, Pantera Negra, é o primeiro longa de super-herói a concorrer ao prêmio. Ele é, ainda, o segundo longa mais bem sucedido nas bilheterias na história do Oscar, ficando atrás apenas de Avatar (que perdeu o prêmio principal justamente para Guerra ao Terror em 2010). Quem também estreia entre os indicados é a Netflix, que representa com seu Roma a ascensão definitiva do streaming como espaço de respeito entre os exibidores.

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    Outra chacoalhada que o evento sofreu este ano foi a ausência de um anfitrião, mas as razões para isso têm uma relação menos direta com a crise do prêmio. No final de 2018, o ator e humorista Kevin Hart foi anunciado oficialmente como apresentador, mas, dois dias depois, usuários do Twitter desenterraram tuítes homofóbicos que haviam sido publicados por ele em 2009. Depois de idas e vindas, Hart se afastou do cargo e a Academia decidiu seguir sem um substituto, pela primeira vez desde 1989.

    A decisão não foi movida pelo desejo de popularizar o Oscar, mas o problema surgiu da mesma aura de desconfiança que ronda a premiação. Mais atento às movimentações da Academia desde o #OscarSoWhite, o espectador agora fiscaliza cada decisão do grupo, atento a eventuais passos em falso. Talvez por isso, encontrar um novo apresentador se mostrou tarefa quase impossível – quem, afinal, gostaria de ter todas as suas entrevistas, publicações nas redes sociais e escolhas de vida analisados com tanta severidade?

    Por outro lado, a cerimônia tem atraído tanta atenção (mesmo que negativa) que se tornou palanque de protestos contra todo tipo de coisa nos últimos anos – das propostas impopulares do presidente Donald Trump à desigualdade de salários entre homens e mulheres em Hollywood. No próximo domingo 24, novos discursos se somarão a uma história que já dura 91 anos e o público enfim saberá se a maior festa do cinema americano ainda tem fôlego para encarar outras nove décadas.

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