Quando Keith Richards foi conhecer os pais de sua namorada (e atual esposa) Patti Hansen, em novembro de 1980, levou um amigo a tiracolo. Nervoso, o astro dos Rolling Stones queria impressionar os futuros sogros, americanos conservadores. E chegou para o encontro trazendo um “príncipe de verdade, em carne e osso”, como descreve em sua autobiografia: Stanislas Stash Klossowski de Rola — ou príncipe Stash, simplesmente. Filho do pintor franco-polonês Balthus e da aristocrata suíça Antoinette von Wattenwyl, Stash era velho conhecido de Richards e de todos os Stones — assim como dos Beatles. Durante a década de 1960, ele conviveu e compartilhou um punhado de experiências artísticas e aventuras com eles, Jimi Hendrix e o Pink Floyd, no auge da Swinging London.
Hoje aos 81 anos, Stash é sensação no TikTok e no Instagram, com cerca de 500 000 seguidores e milhões de views graças a postagens divertidas sobre seu passado rock’n’roll e seus outros assuntos prediletos: o oculto, arte, memorabilia da I Guerra Mundial e filosofia. O cenário das postagens — feitas com esmero e linguagem visual que mira o público jovem — costuma ser seu castelo na Itália, a uma hora e meia de Roma. Mas ele também tem residências nas montanhas da Suíça e em Malibu, na Califórnia.
Alto, magro, barbudo, os cabelos brancos enrolados em dreads grossos, a voz grave e curtida cativando o ouvinte com histórias bem contadas, vestindo caftans, túnicas, batas e muitos anéis, Stash parece feito sob medida para o mundo das redes sociais. Mas sua reação inicial àquele novo universo foi a pior possível. “Achei o primeiro vídeo (no TikTok) tão desanimador”, ele recorda, numa chamada de vídeo com VEJA, direto de seu castelo. Entretanto, o formato “mostrou-se algo muito divertido”, e Stash agora parece à vontade entre os objetos que apresenta nas postagens: máscaras de exorcismo, livros raros, sabres, seu guarda-roupa exótico.
Curiosamente, ele lamenta as limitações impostas pelas plataformas e pela caretice dos tempos atuais. “Vivemos em uma época terrível, de conteúdo moralista neopuritano”, diz. “Precisamos desfocar as capas de meus livros sobre alquimia para evitar serem sinalizados como mostrando nudez. Tudo precisa ser pasteurizado e sanitizado.” Faz sentido: ele é de uma época “de uma espontaneidade alegre”. Conforme conta, “pulava-se na cama com todo tipo de gente, não se tinha medo, o sexo era perigoso, não era para ser seguro. Todas essas coisas que você não pode falar no TikTok”.
O passado rock de Stash é seu principal atrativo nas redes. Ele participou de gravações com os Beatles — faz percussão em You Know My Name (Look Up My Number) e Baby, You’re a Rich Man — e com os Rolling Stones — está em Dandelion e We Love You. Conta que Paul McCartney se empenhou em alavancar sua carreira musical em 1967, a ponto de começar a retrabalhar uma gravação antiga sua cantando Message to Pretty, sucesso do grupo Love. Enquanto isso, Brian Jones e Stash gravaram faixas descritas pelo príncipe como “proto-rap”, que para ele poderiam ter entrado em discos dos Stones ou virado parte de seu trabalho solo. Mas o destino quis que as fitas de ambas as gravações desaparecessem.
A juventude de Stash tem episódios memoráveis. Ele lembra do passeio à casa de John Lennon, no Rolls-Royce de Brian Jones, em que Brian Epstein, empresário dos Beatles, dispensou o motorista “imprestável” que os conduzia, assumiu o volante e passou a dirigir “fazendo as maiores barbaridades”. Por pouco, não se tornou um dos Monkees (recusou o convite para integrar a banda na TV). A vida amorosa foi movimentada: flertou com beldades como a cantora Nico e teve namoro ruidoso com a atriz e modelo Romina Power (hoje, vive no castelo com uma esposa discreta e o filho). No reverso da moeda, Stash foi preso junto com Brian Jones por uso de drogas, quando o fundador dos Stones caiu nas garras da polícia, determinada a dar fim à banda — considerada na época uma ameaça à sociedade.
Stash tem, ainda, uma conexão mais recente com o Brasil. Cita como um de seus “melhores amigos brasileiros” Antonio Patriota, hoje embaixador no Reino Unido, “um pianista muito bom”. Personagem de muitas facetas, o príncipe teve o privilégio de estar no olho do furacão no melhor momento da cultura pop do século XX. Mas o verdadeiro Stash jura ser mais complexo. “Embora eu usasse a máscara do príncipe playboy publicamente, sempre estive envolvido em pesquisas acadêmicas para adquirir o conhecimento dos antigos.” Ninguém é nobre por acaso.
Publicado em VEJA de 26 de janeiro de 2024, edição nº 2877