Black Friday: Assine a partir de 1,49/semana

Contos do autor de ‘Torto Arado’ agradam, mas têm sabor requentado

Enquanto baiano Itamar Vieira Júnior prepara novo romance, lançamento traz contos que são, na maioria, antigos - e não chegam aos pés de seu grande sucesso

Por Diego Braga Norte
3 jun 2021, 17h12

Depois de conquistar três prêmios importantes (Leya, Oceanos e Jabuti) e vender mais de 165 mil cópias (um feito e tanto para o mercado editorial brasileiro) com o ótimo Torto Arado, é natural a ansiedade em torno da próxima obra do escritor baiano Itamar Vieira Junior, agora pop. O lançamento da coletânea de contos Doramar ou a Odisseia resolve essa equação de modo esperto. A nova obra, embora não seja totalmente inédita, aplaca a ansiedade do público enquanto o autor dedica-se ao seu próximo romance. Dos doze contos da coletânea, apenas cinco são desconhecidos do público; os sete demais são todos do segundo título do autor, A Oração do Carrasco (Mondrongo, 2017).

O resgate de contos já publicados permite aos leitores conhecer os textos de Vieira Junior antes de sua repentina fama, mas a reedição também deixa no ar um aroma de algo requentado. Como um aperitivo feito na antevéspera, que foi tirado da geladeira, esquentado e servido com um novo molho para entreter os convidados antes da chegada do prato principal. Ainda que os contos sejam bons, é pouco. Os leitores comensais que aguardam algo tão saboroso e requintado como Torto Arado podem ficar decepcionados. O lado contista de Viera Junior (ainda) não tem o mesmo tempero, potência e refinamento da sua faceta romancista.

Assim como em Torto Arado, é bem-vinda a opção do autor em colocar mulheres como protagonistas e narradoras de suas histórias, alterando as expectativas, sensibilidade e rumos dos enredos. Aliás, o tipo de enredo quase diáfano que o autor tece em alguns contos é herança direta e declarada de Clarice Lispector. Sensações e emoções em detrimento de ações e descrições são opções narrativas que muito combinam com o estilo, as personagens e as narradoras de Clarice. Dessa lavra se sobressaem os contos Alma e Doramar ou a Odisseia. O primeiro é narrado por uma escrava fugitiva que vai rememorando suas lembranças como cativa na medida em que avança em sua fuga. A busca pela liberdade revela-se uma batalha dificílima, com vários percalços no caminho, mas que vale a pena ser lutada.

No segundo, o título é uma referência explícita a um dos maiores cânones da literatura ocidental, o poema épico A Odisseia, de Homero. Mas, no lugar do herói Ulisses que tenta retornar para casa depois da Guerra de Troia, há a doméstica Doramar voltando ao lar após um dia de trabalho. “Mais uma vez Doramar seguia, segurando-se às barras do ônibus, encaixando-se nos espaços possíveis do lotação. Doramar, outra vez, a empregada doméstica cansada de seu trabalho. Fechava os olhos de novo para tentar encontrar o que não sabia, o que havia ficado para trás. Doramar seguia disposta a não voltar. Não era possível enfrentar mais um dia.”

Dentre os contos inéditos, um dos melhores é Na profundeza do Lago. Alternando o foco da narrativa, que começa na terceira pessoa e termina na primeira, com a perspectiva da personagem, o texto é sobre uma mulher que vai passar uma temporada em uma propriedade rural de sua família. Lá, ela descobre que uma barragem em suas terras estancou um riacho e está prejudicando a lavoura de outras famílias que ficaram sem água. Surge daí um conflito social e, mais fortemente, existencial, com o autor explorando muito bem as hesitações e sentimentos da personagem.

Continua após a publicidade

Nova intelectualidade

Itamar Vieira Junior é geógrafo, funcionário concursado do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e doutor em estudos étnicos e africanos pela Universidade Federal da Bahia. Sua formação profissional e intelectual se faz muito presente em suas obras. Ele opta deliberadamente por contar histórias do lado mais fraco da sociedade — as chamadas minorias sociais. O escritor não está sozinho nesse movimento de dar voz às minorias sociais. Negro e oriundo de classes baixas, ele ascendeu social e profissionalmente por meio dos estudos e de seu talento; e hoje integra algo maior e crescente em nossa sociedade. Ele, ao lado de nomes como Djamila Ribeiro, Silvio Almeida, Ailton Krenak, Sônia Guajajara, dentre muitos outros, formam uma nova intelectualidade brasileira emergente.

Em sua história, o Brasil já teve diversos autores, pensadores e profissionais de destaque não brancos, claro, mas nunca uma grande massa crítica da minoria, como atualmente. Essa nova intelectualidade, com representatividade na mídia e na cultura, configura um avanço civilizatório no país. Afinal, Vieira Junior pode escrever com verossimilhança, emoção e profundidade histórias de  quilombolas, escravos, índios, pobres e mulheres negras. Visto pelos olhos das minorias, o Brasil atual é o país da falta de saneamento em meios às moderníssimas startups do Itaim Bibi, do racismo estrutural, do atraso no centro do progresso. Há algo de novo na cultura e nas letras brasileiras e Itamar Vieira Junior é um nome incontornável desse movimento que resgata o velho Brasil às novas gerações.

Continua após a publicidade
LIVRO - Doramar Ou a Odisseia: Histórias, de Itamar Vieira Junior (Todavia; 160 páginas; 49,90 reais e 39,90 reais em e-book)
(Todavia/Divulgação)

Doramar ou a Odisseia, de Itamar Vieira Junior

Todavia, 160 páginas.

49,90 reais

Publicidade

Imagem do bloco

4 Colunas 2 Conteúdo para assinantes

Vejinhas Conteúdo para assinantes

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

a partir de 39,96/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.