Oito minutos é o tempo necessário para a animação Umbrella, disponível no Youtube, arrancar lágrimas dos espectadores. O curta animado é o único brasileiro a se qualificar para a seleção do Oscar, que anunciará a lista de indicados no dia 15 de março. Se passar pelo crivo e alcançar a lista final, o filme será o primeiro representante nacional a concorrer na categoria de curta de animação. Na trama sem diálogos, uma mãe leva a filha ao orfanato para doar brinquedos às crianças. Como o dia é chuvoso, a garota carrega um guarda-chuva amarelo, que desperta as lembranças de um pequeno morador, tornando-se inesperadamente o “brinquedo” mais cobiçado pela criança. O motivo disso? Uma história tão sensível quanto dolorida, capaz de dobrar até os mais fortes.
Inspirado em um acontecimento real, o roteiro de Umbrella foi criado no longínquo 2011, pela paranaense Helena Hilario e seu marido, o italiano Mario Pece. Os dois se conheceram em Nova York e, em 2014, se mudaram para São Paulo, onde fundaram a produtora Stratostorm, responsável pelo projeto. A ideia inicial era fazer apenas a produção, mas o projeto, feito de maneira independente, a partir de economias do casal, era tão pessoal que os dois decidiram encarar também o desafio de dirigir o curta, que fica disponível no Youtube até o dia 31 de janeiro.
Confira o curta e a entrevista com Helena:
De onde surgiu a inspiração para Umbrella? Surgiu há 10 anos, em dezembro de 2011, quando a minha irmã foi visitar um abrigo para crianças em Palmas, no Paraná. Era época de Natal e ela foi levar brinquedos para as crianças desse orfanato e um menininho, entre os seus 4 ou 5 anos, recusou os brinquedos e pediu um guarda-chuva de presente. Como era um dia ensolarado, minha irmã não entendeu o pedido, então ela passou um tempo conversando com ele e ouviu a seguinte frase: “tia, eu quero um guarda-chuva porque quando meu pai me deixou aqui estava chovendo. Ele disse que ia voltar para me buscar, mas nunca mais voltou”. Minha irmã me contou essa história logo depois de sair do abrigo e choramos no telefone. Na época, meu sobrinho ia completar 3 anos, então estávamos descobrindo o mundo pelos olhos de uma criança e doeu muito quando nos deparamos com essa realidade onde uma criança tão pequena tem memórias tão duras. Eu não conseguia parar de pensar nisso, então, com meu marido, o Mário, colocamos a história no papel e fizemos o roteiro de Umbrella. Faz 10 anos que eu conto essa história e eu sempre me emociono.
Dez anos é um período bem longo, por que levou tanto tempo para a história sair do papel? Nós escrevemos o roteiro em 2011 mas aquele não era o momento certo. Na época nós não trabalhávamos com animação, apenas com pós-produção e efeitos visuais. Mas tínhamos o desejo de um dia trazer o projeto à vida, então foram anos de experiência e pesquisa sobre animação, além de um longo planejamento financeiro. Até que em 2014 nos mudamos para São Paulo e abrimos a Stratostorm, nossa produtora, e começamos efetivamente a planejar como fazer o curta de uma maneira independente. Começamos em 2015, fazíamos um pouquinho por ano, mas sempre parávamos. Isso até 2019, quando passamos a trabalhar no projeto em tempo integral. De lá para cá, foram 13 meses ininterruptos de produção até setembro de 2019, quando ele finalmente ficou pronto. Nossa equipe era bem pequena, tínhamos 19 artistas trabalhando, mas só três com dedicação integral ao projeto. Fomos muito cautelosos porque mesmos estávamos financiando o projeto, juntando dinheiro durante anos, então havia uma restrição de orçamento. Contando com os quebradinhos dos anos anteriores, foram 20 meses de produção para viabilizar um sonho de 10 anos.
Umbrella está entre os qualificados para a seleção do Oscar. Como foi esse processo? Foram anos de planejamento para entrar no circuito de festivais. Desde outubro do ano passado estamos no processo de divulgação. O Umbrella foi classificado porque batemos um recorde histórico no Brasil para um curta de animação: o projeto foi selecionado para 19 festivais que qualificam para o Oscar, além de cumprir todos os pré-requisitos exigidos pela Academia de Hollywood. É o único curta brasileiro de animação qualificado este ano e estamos esperançosos de que ele possa ser indicado. Se isso se concretizar, será a primeira vez que o Brasil concorre nessa categoria e vamos representar o país com uma mensagem de empatia e esperança. Mas são tantas mensagens bonitas e tanto carinho que temos recebido que chegando ou não ao Oscar já é uma conquista e uma realização muito grande esse reconhecimento do público.
A pandemia teve algum impacto nesse processo? Nós lançamos no final de 2019, nem imaginávamos que aconteceria uma pandemia, mas influenciou nos festivais, porque eles tiveram de se adaptar ao meio virtual muito rápido. No começa ninguém sabia o que fazer, o Umbrella seria exibido em um festival no domingo e a pandemia foi declarada na quarta, então as exibições foram suspensas. No final, todos os festivais que fomos selecionados se adaptaram bem ao meio online. Nós não temos dados de público mas acredito que isso tenha ajudado com um alcance maior porque as pessoas puderam assistir de casa a muitos festivais. Perdeu um pouco da experiência, mas ajudou a atingir outros públicos. Além disso, é um momento em que as pessoas precisam de um pouco de esperança então a mensagem veio em um momento muito oportuno em que precisamos esquentar um pouquinho o coração uns dos outros.
O curta não têm diálogos, mas é bem emocionante. O que vocês pretendem transmitir com ele? Desde o início nós queríamos fazer um filme sem diálogos. A ideia é que fosse uma história universal e que os recursos da própria animação e da narrativa transmitissem os sentimentos. São apenas 8 minutos mas introduzimos o passado dos personagens como refugiados e tem tantos arcos narrativos que as pessoas estão se identificando. O ponto central é a empatia. Se a minha irmã não parasse para conversar com o menino naquele dia, não teríamos ideia do que estava por trás daquele desejo de ter um guarda-chuva. Isso mostra o quanto é importante observar as pessoas e entender o que está se passando na vida delas. A empatia era relevante na criação do roteiro, há 10 anos, e segue sendo hoje em dia porque é um sentimento atemporal e necessário, especialmente em tempos tão difíceis.