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Dalton Trevisan, 100 anos: por que vale conhecer o legado do vampiro de Curitiba

No centenário de nascimento do misterioso escritor, sua obra é resgatada em edições criteriosas que atestam sua força literária

Por Diego Braga Norte
14 jun 2025, 08h00

O diretor e dramaturgo Felipe Hirsch conta que na década de 1990 encontrou o escritor Dalton Trevisan num supermercado de Curitiba. O que poderia ser algo casual mostrou-se revelador do trabalho de Trevisan. Hirsch testemunhou o escritor marotamente fingindo ler rótulos de produtos aleatórios só para se aproximar e ouvir melhor a conversa de um casal que estava próximo. Era o vampiro de Curitiba sugando suas vítimas, colhendo histórias e personagens para seus contos. Ao lado do tradutor e escritor Caetano Galindo, Hirsch é o organizador de uma coletânea inédita de Trevisan que está sendo publicada pela editora Todavia, Educação Sentimental do Vampiro. Pouco antes de morrer, no final de 2024, aos 99 anos, o autor e sua agente literária, Fabiana Faversani, fecharam um contrato com a casa editorial para republicar toda a sua obra, totalizando 37 livros. Faversani conta que Trevisan tinha o desejo de renovar seus leitores e atingir novos públicos. “Ele tem um grande diálogo com o público jovem, seja pela atualidade dos temas ou pela forma, a brevidade das histórias, o choque que provocam”, diz Faversani.

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(//Divulgação)

Os novos lançamentos do autor

No momento em que se comemora o centenário do autor — que acontece neste sábado, 14 –, chega às livrarias uma primeira rodada de relançamentos, além da coletânea. São os livros Chorinho Brejeiro (publicado originalmente em 1981), Pão e Sangue (1988), Ah, É? (1994), Desgracida (2010) e O Beijo na Nuca (2014), além de sua obra mais famosa (mas não a melhor): O Vampiro de Curitiba (1965). O conjunto compõe um ótimo panorama e permite uma avaliação do prolífico legado de Trevisan, desde os contos amorais e sacanas protagonizados por Nelsinho, em O Vampiro de Curitiba, passando pela forte influência dos romances policiais nas histórias concisas de Pão e Sangue, pelos Joãos e Marias (casal fetiche do autor) de Chorinho Brejeiro, e culminando nos textos lapidares de Ah, É? — quando sua obra reduziu-se ao mínimo necessário para sustentar-se em pé e, ainda assim, com força para provocar calafrios e vertigens nos leitores, com doses homeopáticas de violência, sexo e filosofia.

A moral na obra de Dalton Trevisan
Com exceção da coletânea, todos os demais volumes trazem uma seção chamada “Canteiro de Obras”, com fotos e reproduções de anotações, cartas, diários, documentos e até desenhos do autor. O conjunto fornece um vislumbre da vida pessoal do escritor recluso e do seu processo criativo. Trevisan era uma esponja, mas tinha método. Absorvia leituras, músicas, correspondências e pessoas; desbastava os excessos, polia muito (tinha compulsão em reescrever) e produzia textos reveladores da diversidade da alma humana. Paixões convivem com traições, sexo e violência; há ternura e beleza, mas nenhuma compaixão por personagens e situações. Eis aí um dos grandes méritos do autor: manter certa invisibilidade moral. “Para as pessoas dadas a cancelamentos, é difícil ler Dalton com a intenção de julgá-lo. Ele nunca toma partido”, diz Hirsch.
A intenção de Trevisan não é a de ser o isentão que fica em cima do muro, é estética. Em cerca de 700 contos e um único romance que produziu, é quase impossível encontrar sua opinião: o autor consegue manter-se ausente em sua própria obra. Essa posição valoriza e potencializa a força de seus relatos. Sim, há muita ironia e até sadismo em seus narradores, mas não há julgamento algum.

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Conexão com Curitiba
Nascido numa Curitiba pequena, provinciana e bastante influenciada por hábitos rurais, Trevisan e sua obra atravessaram quase um século acompanhando a transformação da cidade em uma metrópole com mais de 2 milhões de habitantes. Se em suas histórias iniciais há carroças, nos contos mais recentes tem o drama do crack. Morar por quase sete décadas na mesma casa que se deteriorou com o tempo e com janelas sempre fechadas ajudou na sua fama de vampiro. Por ele, o imóvel poderia ser demolido, mas hoje está tombado e deve virar um centro cultural. Leitor dedicado, escritor estoico e com grande capacidade de adaptar-se ao seu tempo, o autor construiu uma obra sólida, multipremiada e internacionalmente reconhecida. Como um bom vampiro, Trevisan sobrevive à passagem do tempo.

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Acasa de Trevisan em Curitiba: lugar deve virar centro cultural (//Reprodução)
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