
O ator americano Robert Redford, um dos grandes personagens de nosso tempo, foi vários: o ator lindo, de olhos azul-claros e interpretação refinada de Descalços no Parque (1967), Todos os Homens do Presidente (1976) e Entre Dois Amores (1985); dirigiu Gente como a Gente (1980), pelo qual recebeu o Oscar; em 2002, ganharia uma outra estatueta honorária por sua contribuição ao desenvolvimento do cinema, em constante casamento de militância com bom gosto. Ao criar o Instituto e o Festival de Sundance, na década de 1980, abriu as portas para trabalhos independentes, cultuados todos os anos — e que forçaram a engrenagem clássica de Hollywood a se mexer, deixando o lugar-comum e os caça-níqueis. Um dos filmes premiados em Sundance, na seção Lançamentos, foi Central do Brasil, de Walter Salles, em 1999, atalho para a bem-sucedida carreira do longa.
Pioneiro na defesa das questões ambientais, preocupado com os indígenas americanos, Redford soube conciliar, como poucos, a atividade meramente artística com a postura política, de modo que uma coisa enriquecesse a outra. Avesso à ribalta, de sorriso tímido e incomodado com a fama, embora fosse procurado com frequência, nos últimos anos decidiu se recolher a um rancho na cidade natal de Utah. Morreu em 16 de setembro, aos 89 anos, de causas não reveladas pela família, como uma estrela que não ficou presa à primeira imagem de sucesso, o sex symbol de presença hipnotizante do faroeste moderno Butch Cassidy, de 1969, no qual contracenou com Paul Newman — e que dupla espetacular formaram. Há poucos anos, instado a resumir sua vitoriosa trajetória, respondeu com a modéstia dos grandes: “Fui autêntico. Consegui o que queria”.
Pássaros cantando na cabeça

Em que sessão das lojas de discos, quando elas ainda eram populares, deveriam ser postos os álbuns do alagoano Hermeto Pascoal? Jazz? MPB? Pop? Forró? Foi sempre quase impossível rotular o trabalho de um artista que tocava vários instrumentos, além de chaleira, tamanco, serrote e a própria barba. Em shows e gravações que soavam como uma sinfonia da natureza, não havia limite para a “música universal” — que vinha do universo, em uma de suas definições mais celebradas. “Eu digo que sou 100% intuitivo, porque aprendi experimentando as coisas que me vinham à cabeça enquanto ouvia os pássaros cantando”, disse certa vez.
Conhecido como “o bruxo”, por conseguir tirar harmonia e melodia de onde se supunha apenas o silêncio ou barulho desmedido, Hermeto era respeitado internacionalmente, adorado por mestres como Miles Davis. Já em 1965, com Em Som Maior, do grupo Sambrasa Trio, formado por ele no piano, Humberto Clayber no baixo e Airto Moreira na bateria, desnudara-se um artista diferente de tudo o que veio antes e que viria depois. Contava ter começado a compor porque, albino, não podia trabalhar na roça por risco de pegar sol, então tratou de observar os sons. Aos 10 anos começou a tocar acordeão — e como criança, com a ingenuidade das descobertas infantis, seguia compondo e fazendo longos recitais inclassificáveis. “Hermeto é a grandeza da música no Brasil, um dos pontos mais altos da história da música no Brasil e que se expôs ao mundo com muita clareza e força”, disse Caetano Veloso. “Hermeto Pascoal parte, mas sua música infinita permanece.” Ele morreu em 13 de setembro, aos 89 anos, de falência de múltiplos órgãos.
Publicado em VEJA de 19 de setembro de 2025, edição nº 2962