Não muito tempo atrás, uma semana frugal na vida do DJ David Guetta começaria com um show à beira-mar no balneário de Ibiza, na Espanha, cercado por jovens fritando na pista até o sol raiar. Na manhã seguinte, ainda sem dormir, ele embarcaria em um jatinho para a Bélgica, onde se apresentaria em um dos maiores festivais de música eletrônica do mundo, o Tomorrowland. Poucos dias depois, emendaria apresentações nos Estados Unidos e no Brasil — com direito a muita ferveção nas areias cariocas. Até que veio a pandemia. Como quase todos os mortais, o francês que vive na noite desde os 15 anos, quando começou a discotecar, subitamente foi obrigado a se trancar em sua casa. Em compensação, agora pode se dar ao luxo de dormir minimamente e acordar todo dia na própria cama. O corpo se aquietou, mas a cabeça continua a mil: ele fez da quarentena um período fértil para produzir novas músicas. “Estou mais criativo que nunca”, disse a VEJA, em entrevista exclusiva feita por videoconferência (leia à direita).
Ao lado de nomes como o britânico Fatboy Slim, o francês Guetta faz parte da primeiríssima geração de DJs que se tornaram celebridades mundiais pilotando apenas os pickups em cima do palco. Aos 52 anos, ele expõe um paradoxo das estrelas das pistas de dança: a tarefa de conciliar a chegada da maturidade com o papel de animador das madrugadas insones da galera. “Minha música, naturalmente, já fala com os mais jovens. Quando comecei, meu público tinha 20 anos. Quando fiz 30, eles continuaram com 20. Hoje, eles continuam com 20. Eu me sinto eternamente nessa idade”, afirma.
A pandemia acrescentou uma nova angústia a esse dilema em si tão excruciante: como será o amanhã de uma categoria que se nutre da energia das aglomerações? No caso de Guetta, a resposta à nova realidade foi abraçar com mais vigor seu lado de compositor. A quarentena também instigou nele a busca por mais, digamos, profundidade. Desde março, ele tem lançado quase uma nova música por mês. A mais recente delas, Let’s Love, saiu há duas semanas e é uma parceria com a cantora pop australiana Sia. A faixa tem uma pegada anos 80 e revela as mudanças de interesse do artista: em vez de letras com temas efêmeros e materialistas, ele agora foca em mensagens edificantes de amor e esperança.
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A única coisa que não mudou foi sua fórmula infalível nas rádios e festivais. Com refrões pegajosos e batidas dançantes mas fáceis de ouvir, as músicas de Guetta embalam eventos em que o pessoalzinho está mais interessado na paquera que na trilha sonora. Expoente máximo do EDM, vertente mais pop e radiofônica da música eletrônica, ele produz hits que extrapolam os limites das raves: são onipresentes das baladas sertanejas às festas de formatura, passando por festivais de rock. Há duas décadas, descobriu a chave para expandir seu público: contar sempre com participações especiais. Desde então, já trabalhou com Fergie, Rihanna, Justin Bieber, will.i.am, Nicki Minaj e outros tantos. O reconhecimento do alcance de seu trabalho veio há dez anos, quando ganhou dois Grammys. Desde então, vendeu mais de 9 milhões de álbuns.
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O francês é deslumbrado pelo Rio, onde tem intenção de comprar um apartamento para relaxar na praia e curtir. “Sempre que faço shows no Brasil, reservo dois dias para ficar na cidade, caminhar no calçadão e tomar água de coco”, diz. Embora sua música embale a azaração nas pistas, a vida amorosa de Guetta não é lá muito animada. Ele foi casado por 22 anos com a socialite franco-senegalesa Cathy Lobé, com quem teve dois filhos. Após separar-se, em 2015, engrenou namoro com a modelo cubana Jessica Ledon. A mansidão é quase uma defesa: o ritmo exaustivo de trabalho costuma cobrar um preço alto desses profissionais. Guetta afirma ter visto colegas sucumbirem aos aditivos ilícitos. “Entendo que algumas pessoas possam achar tudo isso difícil, mas eu sou alegre naturalmente. Faço tantos shows na minha vida que, se usasse drogas, seria um zumbi.” Nessa balada, o DJ jura que ainda chega longe.
Publicado em VEJA de 7 de outubro de 2020, edição nº 2707
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