É difícil imaginar o que diria Winston Churchill se vivesse para ver seu nome erroneamente creditado na frase “Os fascistas do futuro, se chamarão a si mesmos de Antifascistas”, estampada com foto e tudo nos perfis de Flávio e Eduardo Bolsonaro no twitter. A julgar por suas declarações colocando Comunismo e Fascismo no mesmo balaio, é provável que o ex-primeiro-ministro inglês tenha dado algumas reviradas no túmulo. Mas os filhos do presidente não são os primeiros a atribuir citações duvidosas a falsos autores. Na verdade, eles não são pioneiros nem entre os apoiadores do pai, ou mesmo da oposição – quem dirá no contexto geral, em que checar a autoria de frases bonitas é algo trabalhoso demais para se atentar antes de twittar. Nessa brincadeira, Obama virou Poeta, e o Papa autor de corrente divina. Confira outra frases:
“É graças aos soldados, e não aos sacerdotes, que podemos ter a religião que desejamos. É graças aos soldados, e não aos professores, que existe liberdade de ensino. É graças aos soldados, e não aos advogados, que existe o direito a um julgamento justo. É graças aos soldados, e não aos políticos, que podemos votar…” – Barack Obama
A frase foi citada por Onyx Lorenzoni em seu perfil no twitter e creditada a Barack Obama, ex-presidente dos Estados Unidos, em uma tentativa de atenuar as críticas direcionadas a Jair Bolsonaro – que na ocasião, declarara que a democracia e a liberdade só existem se assim querem as forças armadas. Alertado sobre o erro, o ministro corrigiu-se apontando a origem real da citação: o poema It Is The Soldier, de Charles Province, que Obama supostamente teria citado durante o seu discurso na cerimônia do Memorial Day em 2011. Não há, no entanto, nenhuma menção de Obama ao poema naquele dia, e o verdadeiro autor afirmou ao Fato ou Fake (do Valor Econômico) que desconhece qualquer citação do ex-presidente à sua obra.
“O dia em que pararmos de nos preocupar com Consciência Negra, Amarela, ou Branca e nos preocuparmos com Consciência Humana, o racismo desaparece” – Morgan Freeman
Atribuída ao ator americano, a frase foi compartilhada por Glória Maria em uma postagem em seu perfil no Instagram em 2017, pouco antes do dia da consciência negra. Desde então, as palavras voltam a tona na mesma data, sempre atribuída a Freeman e, geralmente, compartilhadas por brancos. Embora não haja registros concretos de que o ator tenha dito a frase com todas as letras, é provável que ela tenha sido criada a partir de uma declaração controversa dada por ele em uma entrevista antiga. Na ocasião, ele defende que a data é ridícula por resumir sua história a um único dia, e que para combater o racismo, é preciso parar de falar sobre ele – uma visão nada popular no movimento negro.
“Estou vacinado com o sangue de Cristo: nenhum vírus pode tocar-me” – Papa Francisco
No início de maio, uma corrente religiosa começou a circular nos grupos de WhatsApp em resposta a pandemia de coronavírus. Compartilhada entre os usuários, a reza foi atribuída diretamente ao Papa Francisco, que teria solicitado aos seus fiéis que a entoassem a para proteger-se da doença. Com a repercussão, a Santa Sé negou que o clérigo seja o responsável pela oração, ou que tenha solicitado a reza aos seguidores que a fizessem. Além disso, não há menção às palavras em nenhum dos pronunciamentos do líder religiosos sobre a pandemia.
“Os fascistas do futuro não vão ter aquele estereótipo de Hitler ou Mussolini. Não vão ter aquele jeito de militar durão. Vão ser homens falando tudo aquilo que a maioria quer ouvir. Sobre bondade, família, bons costumes, religião e ética. Nessa hora vai surgir o novo demônio, e tão poucos vão perceber a história se repetindo” – Saramago
Os bolsonaristas não são os únicos políticos a creditar a autoria de citações a falsos autores. Supostamente escrita por José Saramago, a frase veio à tona em abril de 2018, com um tweet do senador petista Lindbergh Farias. Além do político, o jornalista Chico Pinheiro também usou a rede social para compartilhar a frase, e foi rebatido pela Fundação Saramago, que respondeu a postagem afirmando que o escritor nunca escreveu ou proferiu tais palavras.
“Quem lê um livro, mal sabe como ele foi feito. Cada palavra puxa a essência do autor, cada ideia a sua vivência, cada conto sua dor, cada capítulo seu amor. A leitura de cada página nada mais é do que uma conversa sincera com o autor” – Machado de Assis
Usada em um avental que integrava o material de divulgação da Bienal do Livro de SP de 2018, a frase foi atribuída a Machado de Assis, e acompanhava uma ilustração do autor. Na ocasião, o erro repercutiu e a Ogilvy, agência responsável pela divulgação do evento, assumiu que a frase, de fato, não era do escritor, e mandou recolher os 50 exemplares produzidos como brinde a jornalistas.