‘Despacito’ e músicos negros dominam o Grammy das minorias
Após boicote de rappers, premiação dá verniz a artistas latinos e afrodescendentes em sua 60ª edição
Os porto-riquenhos Luis Fonsi e Daddy Yankee podem fazer história no próximo domingo, 28. Com o hit chiclete Despacito, em parceria com Justin Bieber, a dupla está no páreo pelo Grammy de Música do Ano — que premia os compositores —, e de Gravação do Ano – que valoriza a performance de uma música —, duas das principais categorias da tradicional premiação da indústria fonográfica americana. Se eles ganharem, esta será a primeira vez que uma composição em espanhol leva os prêmios. Se a dupla perder, contudo, outro jejum pode ser quebrado. Assim como acontece nas premiações do cinema, constantemente criticadas por deixar negros de fora de suas categorias, o Grammy também é recriminado por preferir músicos brancos na hora de entregar seus troféus. Agora, em Gravação do Ano, os intérpretes de Despacito concorrem apenas com artistas negros: Childish Gambino (Redbone), Jay-Z (The Story of O.J.), Kendrick Lamar (Humble) e Bruno Mars (24K Magic). Em tempos de protestos por maior representatividade, o Grammy 2018 promete ouvir a voz das minorias.
Na categoria, a mais relevante da noite, apenas dois latinos já levaram o prêmio, o guitarrista mexicano Carlos Santana pela faixa em inglês Smooth, entoada por Rob Thomas; e a brasileira Astrud Gilberto, com The Girl from Ipanema, cantada parte em português, parte em inglês. Já os músicos negros subiram ao palco quinze vezes em 59 edições do prêmio.
Música do Ano – Entre os que podem conquistar o título de Música do Ano, Despacito enfrenta 4:44, de Jay-Z; That’s What I Like, de Bruno Mars; Issues, de Julia Michaels; e 1-800-273-8255, parceria do rapper Logic com a jovem canadense Alessia Cara. A categoria costuma dar verniz a faixas mais populares, com alto número de reproduções. Se for uma balada romântica, ainda melhor, a exemplo dos últimos vencedores: Adele, com Hello (2017), Ed Sheeran, com Thinking Out Loud (2016), Sam Smith, com Stay with Me (2015). Se o tom emotivo pesar, Logic e Alessia, com a canção sobre prevenção do suicídio, ganham peso. Mas nenhum dos indicados tem artilharia suficiente para bater a popularidade de Despacito, que se tornou o clipe mais visto da história do YouTube, com 4,7 bilhões de reproduções, e a primeira letra em espanhol a liderar o ranking global do site de streaming Spotify.
Melhor álbum – Enquanto Gravação do Ano é, oficialmente, a categoria mais importante, Álbum do Ano é a que puxa os holofotes, sendo a honraria mais esperada da noite – e de longe a mais controversa. Desde 2010, músicos e ouvintes apontam para a disparidade entre os premiados brancos e negros. O caso mais recente e que causou burburinho entre os artistas nas redes foi a vitória de Adele e o disco 25, sobre Beyoncé, e o aclamado Lemonade. Antes, Taylor Swift, com 1989, superou Kendrick Lamar, com o elogiado To Pimp a Butterfly. Em ambas as obras, Beyoncé e Kendrick criticam abertamente a violência policial contra os negros nos Estados Unidos, tema caro ao país.
Em 2013, os britânicos da banda folk Mumford & Sons, com o disco Babel, bateram Frank Ocean e o belíssimo Channel Orange. Ocean, desde então, entrou em uma cruzada contra o Grammy. O rapper decidiu boicotar o prêmio, ao lado de Kanye West e Drake. West não manteve a promessa e inscreveu seu último disco, The Life of Pablo, na premiação – saiu sem nenhum troféu. No ano passado, Ocean não colocou na disputa os discos Endless e Blonde — elogiados por críticos e parte de diversas listas de melhores do ano. Para a edição que acontece em 2018, Drake deixou de fora More Life, álbum que vendeu o expressivo número de 2 milhões de cópias ano passado.
“Essa instituição tem uma importância nostálgica, mas ela não representa as pessoas que vêm de onde eu vim, e que passaram pelo o que eu passei”
Frank Ocean sobre o Grammy, ao 'The New York Times'
Ao longo de seus 59 anos, a Academia de Gravação que promove o Grammy concedeu o prêmio de Álbum do Ano doze vezes a artistas negros – sendo três vezes para Stevie Wonder, em 1974 (Innervisions), 75 (Fulfillingness’ First Finale) e 77 (Songs in the Key of Life). O último negro a receber o troféu foi o músico de jazz Herbie Hancock, em 2008, com River: The Joni Letters. Aos latinos, a honraria foi concedida em 2000 para Santana, com o disco Supernatural, e em 1965 para o brasileiro João Gilberto, em parceria com o saxofonista Stan Getz, no álbum Getz/Gilberto.
“Essa instituição tem uma importância nostálgica, mas ela não representa as pessoas que vêm de onde eu vim, e que passaram pelo que eu passei”, disse Ocean em entrevista ao The New York Times, sobre o boicote ao Grammy.
Neste ano, a comunidade negra deve sair satisfeita do prêmio. Kendrick Lamar, com DAMN, e Bruno Mars, com 24K Magic, são os favoritos. Em seguida, vem Jay-Z com o disco 4:44. Largam por último o cantor Childish Gambino (um dos nomes artísticos do ator Donald Glover, da série Atlanta), com o disco Awaken, My Love!, e a jovem Lorde, com Melodrama.
A neozelandesa é a única de tez branca entre os indicados. E ela fez questão de falar sobre isso em entrevista à revista Billboard. “É louco pensar que sou a única mulher na minha categoria. Me sinto orgulhosa por isso. Mas também estou muito feliz de estar ao lado de quatro incríveis artistas de cor – este é um grande momento para o Grammy. É estimulante ver estas instituições se movendo na direção certa.”