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Do cinema aos museus, o impacto profundo do coronavírus no entretenimento

Toda a cadeia produtiva da indústria agoniza por força da devastação econômica provocada pela pandemia — e a crise será longa

Por Isabela Boscov, Marcelo Marthe Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 14h21 - Publicado em 27 mar 2020, 06h00

Nesta semana, após dois meses de portas fechadas, uns poucos cinemas chineses começaram a reabrir nas províncias mais ao norte, distantes até 3 000 quilômetros de Wuhan, no sul, o epicentro da pandemia de coronavírus. As novas normas sanitárias são rígidas; os assentos só podem ser ocupados com muito espaço entre si, por exemplo. Mesmo assim, se os chineses gradativamente voltam à construção, às fábricas, aos escritórios e aos parques, a ideia de comungar do mesmo ar por duas horas, em espaço selado, não agradou: a frequência foi irrisória. É mais um sinal de que, na crise generalizada que se abate sobre a economia mundial, o entretenimento dispara na frente como o setor mais duramente atingido, por depender em grande parte de congregações humanas tanto na ponta da produção quanto no outro extremo, o do consumo — e porque a diversão e a cultura, embora fundamentais para o bem-estar, não são essenciais à vida como o é pôr comida na mesa. Quando alguma normalidade voltar a vigorar, é provável que o entretenimento figure entre os primeiros itens a ser cortados pelos milhões de pessoas que estão perdendo o emprego ou tendo a renda reduzida pela crise da Covid-19.

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Não há precedente para essa situação. Durante a última emergência global da história, a II Guerra, o cinema foi fundamental para os Aliados como peça de propaganda e como lazer leve, destinado a elevar o moral da população — e as salas eram frequentadas em massa nos países que não estavam sob ataque direto, como os Estados Unidos. O 11 de Setembro fez o movimento minguar, mas ele logo refluiu para os níveis habituais. E nem a greve dos roteiristas americanos de 2007-2008, que paralisou a produção por meses, causou prejuízo comparável ao infligido pelo coronavírus.

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SANGRIA GERAL –  Visitantes mascarados na breve mostra de Rafael em Roma (à esq.) e show de Safadão: perdas de alto a baixo (Andrew Medichini/AP ; Márcio Roberto/Fotoarena)

Agora, com museus, teatros e parques temáticos fechados, shows e festivais cancelados, cinemas lacrados, filmagens paralisadas e títulos sem data para estrear — e, pela primeira vez na história, com as novelas da Globo trocadas por reprises —, o estado atual é de apagão. O horizonte, entretanto, não é muito menos sombrio: o setor de entretenimento é uma cadeia de infinitos elos, capaz ela mesma de gerar desemprego em massa. O mercado mundial de shows é estimado em 29 bilhões de dólares, e neste momento está em desmanche: nos lançamentos de cinema como nas apresentações ao vivo de artistas musicais, a organização de datas é uma ciência avançada, e deve levar anos até que a agenda seja refeita; os web­shows promovidos por Madonna ou pelo brasileiro Wesley Safadão (que, até agora, ainda não enfrentou devolução das passagens para um cruzeiro de shows marcado para novembro) servem tão somente como gesto de boa vontade. Também foram cancelados festivais de música como o americano Coachella e o inglês Glastonbury, ou eventos como o rodeio de Ribeirão Preto, no Estado de São Paulo, que não apenas criam milhares de empregos como aquecem a economia local na forma de hospedagem, alimentação e vendas. Eventos esportivos como a Olimpíada do Japão de 2020, cancelada na última terça, 24, geram audiência de TV e, portanto, verbas publicitárias vultosas — que, cortadas, ameaçam a folha de pagamento e a produção futura das emissoras. Cada filme, série de TV ou peça de teatro que se produz é uma fonte de trabalho direto e indireto e é também o combustível que faz girar a engrenagem do merchandising e dos negócios associados, desde bonequinhos e refeições de fast-food até atrações de parques. Toda a corrente foi partida. A Broadway nova-iorquina, com 31 espetáculos em cartaz, sofreu fechamento total em meio a pressões dos sindicatos. Encravada no coração de Nova York, epicentro da epidemia nos Estados Unidos, a meca dos musicais prevê perdas de 565 milhões de dólares.

O quadro é tão grave que até os ganhadores do momento enfrentam incerteza: é senso comum que, enquanto os cidadãos estiverem confinados em casa, as plataformas de streaming vão bombar, com a Netflix em particular nadando de braçada. Mas o sucesso delas depende da alimentação contínua de seu catálogo com novidades, e a produção de séries e filmes foi interrompida. A seca se fará sentir lá na frente. Em outros casos, a retração já é nítida: na Itália devastada pela pandemia, o número de audições diárias das 200 faixas mais tocadas no Spotify caiu de 18,3 milhões de faixas em março de 2019 para 14 milhões nesse mesmo mês de 2020. Com ameaça de falta de tudo, as pessoas não pensam duas vezes na hora de cancelar gastos. O mesmo problema que já preocupa seus equivalentes no mercado de TV e cinema ronda as plataformas musicais, que giram 22 bilhões de dólares globalmente: a epidemia vetou gravações em estúdio, o que vai comprometer a oferta de novas faixas aos ouvintes.

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O circuito das artes é outro em que o impacto será sentido por anos a fio. Para instituições do mundo todo, do paulistano Masp ao Louvre parisiense, o drama não reside só na sangria de bilheterias. Quando o espectador vai a uma mostra, ele não imagina o que se investiu para colocá-la de pé: três a cinco anos em negociações, busca de patrocínios e contratação de seguros estratosféricos. O estrago é resumido na exposição dos 500 anos do renascentista Rafael Sanzio (1483-1520), em Roma. Reunir tantos tesouros dispersos de um mestre como Rafael requereu esforços descomunais, e os seguros dos 200 itens eram de mais de 4 bilhões de euros. O pesadelo do coronavírus já dominava o norte da Itália quando a mostra deveria abrir, em 5 de março. A exposição chegou a ser inaugurada — mas não ficou nem cinco dias em cartaz até que o país fosse literalmente fechado. Reorganizar a indústria cultural para apreciarmos belezas como essas representará um desafio inédito e colossal daqui para a frente.

Com reportagem de Felipe Branco Cruz

Publicado em VEJA de 1 de abril de 2020, edição nº 2680

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