“O Brasil é um país doente”, diz Evandro (vivido por um vigoroso Julio Andrade) ao fim da segunda temporada da série Sob Pressão, da Globo. Ao expor o embate diário de um chefe de emergência do SUS — condição que o afundou no vício em opioides —, o médico da ficção põe o dedo na ferida: o hospital em que ele atua está sobrecarregado, pois não recebe só doentes, mas também vítimas de armas de fogo, acidentes de trânsito, prédios que desabam, deslizamentos de lama. “Não são problemas da saúde, são problemas sociais, de educação, de abandono do Estado”, diz o roteirista Lucas Paraizo. Sob Pressão, agora em sua terceira e última temporada, retrata esses problemas com realismo duro — mas com humanidade no tratamento de seus personagens.
A série que se despede — ao que tudo indica, em razão do orçamento elevado — confirmou seu lugar como o primeiro grande drama médico da TV brasileira (em 1998, Mulher, também da Globo, não decolou). Das primas estrangeiras, como ER, Grey’s Anatomy e Dr. House, tomou emprestadas a forte carga emotiva das histórias dos pacientes atendidos e a visão íntima do cotidiano dos profissionais de medicina — incluindo o obrigatório romance entre os colegas Evandro e Carolina (Marjorie Estiano). Mas a realidade tem a marca do Brasil. “Nossa referência foi o Rio de Janeiro. Não é algo importado”, diz o diretor Andrucha Waddington. Na temporada final, o corpo clínico se muda para outro hospital — ainda mais precário: opera com 20% de sua capacidade. A vizinhança é dominada por uma milícia, fato que insere a tensão do thriller policial no drama médico. “O hospital é termômetro do entorno”, diz Marcio Maranhão, cirurgião e autor de Sob Pressão, livro que deu origem ao filme de 2016 e se desdobrou na série. “Já atendi vítima de fuzil. É experiência de um médico de guerra.” Uma guerra que, infelizmente, só está chegando ao fim na ficção.
Publicado em VEJA de 15 de maio de 2019, edição nº 2634
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