O cineasta e ativista ucraniano Oleg Sentsov, que participou do Festival de Veneza do ano passado com o filme Rhino, foi, assim como muitos compatriotas, obrigado a mudar seu papel no país com a invasão da Rússia. Reservista, Sentsov foi convocado para lutar na guerra. Nesta quinta-feira, 3, ele divulgou uma declaração pessoal sobre o conflito. “Há exatamente duas semanas atrás, meu filme [Rhino] foi lançado na Ucrânia. Há uma semana estou nas trincheiras como participante da defesa territorial”, escreveu Sentsov. “A vida mudou em um instante com a queda da primeira bomba no território da Ucrânia. Tudo o que sabíamos sobre a invasão de Hitler agora se tornou real novamente”.
O diretor chegou a passar cinco anos preso no país vizinho por acusações de terrorismo depois de lutar contra o governo de Putin e a anexação da Crimeia em 2014 — Sentsov nasceu em Simferopol, capital da região. “Naquela época, toda a indústria cinematográfica se levantou para me apoiar. E sou imensamente grato por isso. Agora peço que apoiem o meu país”, requisitou o diretor, que pede pelo boicote da indústria ao cinema russo em todas as dimensões, incluindo a cooperação cinematográfica (coprodução, distribuição e festivais). O boicote à produção russa tem sido requisitado com afinco pelos profissionais da indústria ucraniana — inclusive através de um pedido oficial da própria Academia Ucraniana de Cinema.
Enquanto o conflito entre Rússia e Ucrânia se desenrola, inúmeras sanções e boicotes são sugeridos e acatados pela comunidade internacional em diversas frentes. Uma semana após a invasão das tropas de Vladimir Putin no país vizinho, é possível visualizar uma espécie de guerra cultural em curso: a Rússia já foi banida da popular competição Eurovision, ao passo que a Netflix suspendeu a produção de séries russas. No cinema, a movimentação vai no mesmo sentido, e inclui desde uma carta aberta de cineastas proeminentes na Ucrânia até o posicionamento de festivais internacionais — os Festivais de Veneza e Cannes, por exemplo, pretendem barrar delegações russas em seus eventos.
Em outra declaração também compartilhada nesta quinta-feira, 3, Denis Ivanov, um influente produtor ucraniano, descreve a guerra como um “genocídio contra os ucranianos” e acusa os militares russos de crimes de guerra. Ivanov também apoia totalmente o boicote: “O melhor que os cineastas russos podem fazer agora é se recusar a representar seu país em eventos internacionais e fazer uma declaração sobre isso. Esse ato de solidariedade seria a mensagem anti-guerra mais clara e eloquente para o mundo e os ucranianos do que suas declarações nas mídias sociais de que são ‘contra a guerra’”, escreveu. “Não é o momento certo para tapetes vermelhos para nossos queridos colegas russos”.
Confrontados com a pressão do boicote, cineastas russos que se opõem à atual guerra em curso vêm se manifestando. No dia 28 de fevereiro, foi divulgada uma carta aberta assinada por diretores diretores renomados do país como Fedor Lyass, Roman Vasyanov, Mikhail Krichman, Pavel Kapinos, Vladislav Opelyants e Pavel Fomintsev. Nela, exigem o fim da agressão militar contra a Ucrânia, com um cessar-fogo imediato e a retirada das tropas do território ucraniano. À publicação americana Variety, o produtor Alexander Rodnyansky, indicado ao Oscar duas vezes, disse ter se sentido “insuportavelmente envergonhado” e “incrivelmente, profundamente triste” quando soube do início da invasão. Segundo uma matéria da mesma revista que ouviu membros da indústria do entretenimento russa, os boicotes e proibições estariam silenciando vozes russas que protestam contra a guerra em curso.