Em alta no streaming, Gagliasso colhe frutos de opção por papéis difíceis
Ator faz mergulho radical nos personagens — e fala com veemência sobre racismo e política
Não se desligar das pressões do trabalho após o fim do expediente é uma tendência humana bem conhecida — mas o ator Bruno Gagliasso criou um jeito radical de ser workaholic. “Não tenho a facilidade que alguns colegas têm de não levar o personagem para casa. Ele nasce de dentro de mim, não me empresto só fisicamente a meus papéis”, diz Gagliasso a VEJA. O mergulho “de corpo e alma” em tipos atormentados fez dele um artista respeitado e cheio de histórias folclóricas. Para viver o policial federal Ernesto Cardona da série espanhola Santo, hit recente da Netflix, ele perdeu 16 quilos e virou o bicho: convertido num sujeito tenso e mal-humorado, Gagliasso achou melhor passar os meses dessa preparação tão realista longe da esposa, Giovanna Ewbank, e dos filhos Títi, 9 anos, Bless, 7, e Zyan, 2. É uma rotina a que a família já está acostumada: para fazer o delegado Lúcio do filme Marighella (2021), ele também deu um tempo do convívio no lar para encarnar o personagem inspirado no agente da ditadura Sérgio Paranhos Fleury. “Fiquei três meses morando em São Paulo porque estava meio estúpido. Gosto de ir até o fundo”, explica (leia a entrevista).
Não se deve confundir as intercorrências da atuação nas telas com falta de consideração pela família, claro. Como sabe qualquer pessoa que navegue minimamente nas redes sociais, Gagliasso e a apresentadora e influencer Giovanna formam um casal famoso por defender seu “ninho” com veemência. Meses atrás, os dois viraram leões quando os filhos Títi e Bless, adotados na nação africana do Malawi, foram vítimas de um ataque racista num restaurante em Portugal. “Meus filhos já sabem que, se algum amiguinho for racista, quem vai responder são o pai e a mãe dessa criança”, afirma ele. No trabalho ou na defesa familiar, intensidade é uma palavra que define bem Bruno Gagliasso.
A prova de que esse traço tem valor efetivo é o viés de alta da carreira internacional do artista. Ele está por todo lado no streaming. Além de brilhar na espanhola Santo, vai atuar em breve numa série da Netflix sobre a chacina da Candelária, triste episódio nacional dos anos 1990. Participou também da primeira temporada de Operação Maré Negra, do Amazon Prime Video — e já está escalado para a segunda fase da instigante série luso-espanhola. Exercitando seu direito de ser diferentão, Gagliasso faz questão de ressaltar que não busca uma carreira em Hollywood, à maneira de Rodrigo Santoro ou Wagner Moura: prioriza roteiros em português e ambientados no país. “Quero contar boas histórias brasileiras. Tenho orgulho de levar minha arte lá para fora”, diz.
Em 2019, enquanto artistas conhecidos começavam a ser dispensados pela Globo, ele decidiu não renovar seu contrato. Em conversa com o então chefão da emissora, Carlos Henrique Schroder, anunciou que queria se arriscar mais e tentar outros caminhos. Gagliasso fez fama com papéis complexos para o padrão água com açúcar das novelas, como o esquizofrênico Tarso, de Caminho das Índias — mas se cansou, dizem colegas, após experiências como a sofrível trama das 9 O Sétimo Guardião. Recentemente, anunciou que seu ciclo no gênero se esgotou. “Ele é um ator inquieto e está sempre procurando o novo”, diz Monica Albuquerque, hoje executiva da HBO e na época coordenadora da área de talentos da Globo.
Caminhos da revolução brasileira
A guinada na carreira e a defesa feroz dos filhos são duas faces de uma mesma característica de Gagliasso: ele não se furta em ter atitudes políticas sobre tudo o que faz. A começar do óbvio: é uma celebridade que vocaliza com força na internet o apoio ao ex-presidente Lula e a ojeriza a Jair Bolsonaro. Antes do primeiro turno, se uniu a outros artistas para gravar uma música contra o atual mandatário. Como toda ação provoca reação, ele paga mico em família: seu irmão Thiago é um bolsonarista daqueles que veem fantasmas comunistas escondidos no armário, e desancou o brother “Brunão” após se eleger deputado estadual pelo Rio. “Não nos falamos mais”, diz Gagliasso.
Rusgas do Brasil polarizado à parte, o ator se revela um aplicado ativista ambiental: plantou milhares de árvores e abriga animais vítimas de maus-tratos em seu sítio no sul fluminense. Empreende, sobretudo, uma corajosa cruzada contra o racismo. Gagliasso exige a presença de negros nas produções e campanhas que faz, e não se cansa de denunciar os pecados dos colonizadores. “Tenho consciência do meu privilégio como branco. Só se eu fosse um idiota para negar”, dispara. Intenso — e verdadeiro.
Publicado em VEJA de 26 de outubro de 2022, edição nº 2812
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