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Em meio à crise, as novelas ressuscitam

Depois de amargar um período de divórcio com a audiência, a Globo reencontrou a sintonia do gênero com o público

Por Marcelo Marthe Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 10 dez 2018, 09h24 - Publicado em 26 ago 2017, 09h00

Reportagem da edição de VEJA desta semana analisa as razões do bom momento atual das novelas da Globo. Com ibope não raro acima da casa respeitável dos 40 pontos, A Força do Querer é a novela brasileira de melhor desempenho em quatro anos. Mas o fenômeno não se esgota no sucesso da trama das 9: depois de um tenebroso inverno em que não despertaram mais que apatia, os folhetins voltaram a pautar as rodas de conversa, da Amazônia aos Pampas. Bibi, a beldade suburbana encarnada pelo farol do feminismo Juliana Paes, se dará bem ao enveredar pelo crime por amor ao marido traficante? Zeca, o caminhoneiro turrão vivido por Marcos Pigossi, deve ficar com a incorruptível Jeiza ou com a espevitada Ritinha (Isis Valverde)? Quando as pessoas, em casa ou no boteco, debatem sobre a vida de figuras da ficção, estabelece-se aquela alquimia singular: o Brasil se inebria com o próprio reflexo no espelho da TV. O feito ganha contornos de novo triunfo quando contrastado com o passado recente. Há três anos, esse espelho parecia rachado. Depois de colher seu maior êxito da década com a inovadora Avenida Brasil, em 2012, a Globo viu despencar o número de espectadores sintonizados em suas novelas — um êxodo que chegou a 5,5 milhões de pessoas em 2014. Pois as ovelhas desgarradas voltaram: o alcance diário das cinco tramas da emissora, de 64,4 milhões de pessoas, retornou ao patamar dos tempos de Avenida Brasil.

Naturalmente, boa parte do mérito cabe à atual novela das 9, que devolveu a estatura à maior atração da TV brasileira, dilapidada por decepções como Babilônia (2015). No entanto, o gênero folhetim vive uma fase de graça em seu todo — não só de público, mas também de criatividade. A emissora foi feliz ao apostar numa temporada da novelinha Malhação que fala sobre diversidade e tem a grife de Cao Hamburger, criador do infantil Castelo Rá-Tim-Bum — o resultado é sua melhor audiência em onze anos. No horário das 6, Novo Mundo beira os 30 pontos no ibope ao fazer de dom Pedro I e da imperatriz Leopoldina adoráveis heróis de aventura de capa e espada. Com sua trama afiada sobre o roubo a um hotel, Pega Pega honra a tradição da comédia ligeira das 7 — mesmo longe do fim, ostenta audiência de reta final de sucesso do horário. Até Os Dias Eram Assim, propalada “supersérie” (na prática, um novelão) das 11, superou o tédio do início e se impôs com sua saga romântica que se desenrola da ditadura militar à redemocratização: desde que a Globo ressuscitou as tramas das 11, há seis anos, é a que alcança melhor audiência em São Paulo. VEJA acompanhou gravações, flagrou atores trabalhando — como o leitor vê ao longo destas páginas — e reuniu personagens das principais novelas na foto que abre esta reportagem.

Antes do renascimento, múltiplos fatores levaram o folhetim brasileiro à crise existencial — a ponto de haver quem proclamasse sua extinção iminente. “Como se pode falar em decadência das novelas se mesmo hoje, com tantas opções de lazer, seu reinado não foi nem de longe ameaçado pelas séries?”, diz Silvio de Abreu, autor de sucessos como A Próxima Vítima (1995) e comandante-geral dos folhetins da Globo. “A novela é o que o Brasil sabe fazer de melhor no entretenimento. Não faz sentido jogá-la fora.” A melhor indicação de que a Globo acredita nisso é sua nova aposta: a construção de um complexo de três estúdios ultramodernos só para as novelas. Há três anos, a Globo constatou que suas novelas não estavam mais conseguindo falar de forma adequada com a população (percepção que o público, do outro lado da tela, certamente endossaria). Sob a condição do anonimato, um conhecido publicitário dá um exemplo: “As novelas da Globo passaram por uma fase irritante de obsessão por favelas. Isso tinha a ver com uma ânsia de conquistar a tal nova classe C — mas tudo foi feito tão sem critérios que nem a classe C aguentou”. Para recolocar o gênero nos trilhos, Carlos Henrique Schroder, diretor-geral da emissora, patrocinou a criação de um grupo de trabalho — pomposamente batizado de Sintonia com a Sociedade — para estudar tendências de comportamento. “Concluímos que só é possível ter sintonia com o país quando sabemos nos conectar às suas angústias. A maior função da novela é gerar controvérsia”, diz Monica Albuquerque, responsável pela área de talentos da Globo.

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