Erasmo Carlos, aos 77 anos, é crítico ao falar sobre o passado. “Tive situações em que fui machista, mas não me arrependo, porque eu sou produto dos anos 1940”, comenta o cantor em entrevista a VEJA, e reconhece: “O rock n’ roll é muito machista até hoje. Para se libertar disso, você precisa começar a aprender outras coisas e refletir sobre a sua vida”.
A conversa em tom descontraído aconteceu nos estúdios do serviço de streaming Deezer, onde o Tremendão gravou o podcast Essenciais, divulgado na quinta-feira. Erasmo ainda falou do filme sobre a sua vida estrelado por Chay Suede, que estreia no dia 29 de novembro, o uso das redes sociais e um implante de marca-passo em abril, por causa de uma anomalia que o levava a passar mal com frequência. “Podia desmaiar só por usar uma gravata.”
Confira a entrevista:
O senhor já comentou que se tornou menos machista com o tempo. Como se deu esse processo? Não teve um momento específico. A maturidade e até o conhecimento de ver novas culturas e novos estudos, fazem você se tornar um ser humano melhor. A vida foi me ensinando que os meus pontos de vista precisavam evoluir. Se você não faz isso, vai ser um radical chato pra caramba, um nazista. A melhor forma de encarar a vida e ser um cara legal é seguir a regra de não fazer com os outros o que você não quer que façam para você.
Se arrepende de alguma atitude que teve e hoje considera machista? Umas quinhentas mil coisas. Com certeza tive situações em que fui machista, mas não me arrependo, porque sou produto dos anos 1940. O patriarcado estava em todos os lugares. Meus ídolos de cinema eram gângster e caubóis, caras machistas para caramba. O rock n’ roll é muito machista até hoje. Para se libertar disso, você precisa começar a aprender outras coisas e refletir sobre a sua vida.
A vida foi me ensinando que os meus pontos de vista precisavam evoluir. Se você não faz isso, vai ser um radical chato pra caramba, um nazista
Erasmo Carlos
Qual é a sensação de revisitar toda a sua trajetória em entrevistas como no podcast Essenciais? Eu gosto, porque o tempo vai passando e a gente vai mudando, passa a ver o mundo em outra ótica. O bom senso manda você reformular certos pensamentos e os seus valores. A época exige isso. É uma oportunidade para a gente mostrar a nossa evolução ou involução.
Como é a sua relação com as redes sociais? Hoje, eu me divirto com as redes sociais, mas já sofri muito acreditando na pressão dos comentários. Com o tempo, me acostumei. Continuo com medo, porque não sei como será a internet no futuro. Os estudos digitais podem ser o caminho da humanidade, mas podem virar um terror.
Alguém te ajuda a postar com frequência? Meu filho e minha mulher que me ajudam. Ela que entende tudo de Snapchat, Stories e todas essas coisas. Agora, o pessoal da gravadora Som Livre também me ajuda bastante. É uma equipe.
O seu novo disco, Isso é Amor, é inspirado na sua esposa, a Fernanda Passos . A sua visão do que é amor mudou com o tempo? Você vai entendendo mais o que é amor, vai pisando mais firme nesse terreno, se envolvendo mais nas relações. O amor, sim, que deveria ser uma religião.
Como está o livro com os poemas que escreveu para a sua esposa? O livro está pronto. São 111 poesias. Poderia ser 110 ou 200, mas foi onde eu parei. Achei o número legal. Saí de um livro de contos, o Minha Fama de Mau, que dizem ser uma autobiografia, mas é mentira. Não acho graça quando o cara faz biografia vivo. Isso é para quando ele morre. Quando está vivo, só vai dizer que era bonzinho. Agora, estamos procurando uma editora. Poesia não é tão fácil assim não. É o ramo menos comercial da literatura, então, não é muito interessante para a editora lançar.
O bom senso manda você reformular certos pensamentos e os seus valores. A época exige isso. É uma oportunidade para a gente mostrar a nossa evolução ou involução.
Erasmo Carlos
O senhor participou, de alguma forma, da produção do filme Minha Fama de Mau? Não fiz nenhuma exigência. Uma vez, li um texto do Veríssimo que dizia: se algum dia alguém escrever algo sobre um indivíduo, a melhor coisa que esse indivíduo faz é ignorar. Se ele for querer saber, vai se aborrecer muito. Porque nesse tipo de produção, o roteirista escreve a história, o diretor dá o tom para as cenas que ele quer, o editor já vai montar as cenas de um outro jeito… transformam a sua história em outra. Se você estiver muito envolvido, vai ficar triste e magoar pessoas. Por exemplo, o filme tem personagens que não existiram e tem pessoas importantíssima que ficaram de fora. De repente, uma passagem da sua vida foi alegre, mas o diretor acha que precisa ser triste, quer provocar lágrimas. Quando eu for assistir, vou ver como a história de outra pessoa. Assim, eu vou ficar satisfeito.
Conhecia o Chay Suede antes da escalação dos atores? Não conhecia. Antes de começarem as gravações, tivemos um encontro para promover o longa. Mas depois que ele fez o filme, nunca mais tive contato. Pelas fotos que eu vi, a recriação dos locais antigos está interessante e ele está bonito. Já ouvi a trilha-sonora, em que os próprios atores cantam, e gostei bastante.
Em abril, o senhor teve que fazer um implante de marca-passo. Passou por momentos difíceis? Na verdade, eu adorei, porque agora fiquei muito bom. Ficava desmaiando do nada, por causa de uma hipersensibilidade em uma veia. Podia desmaiar só por usar uma gravata. Eu chegava a ficar alguns segundos inconsciente. Agora, a única coisa que incomoda é na hora de passar no detector de metais do aeroporto.