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‘Eu não cancelaria Roberto Carlos’, diz biógrafo censurado por cantor

Paulo César de Araújo lança nova biografia de Roberto Carlos e diz não ter raiva do artista após batalha jurídica que tirou de circulação seu primeiro livro

Por Felipe Branco Cruz Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 23 dez 2021, 17h15 - Publicado em 17 dez 2021, 15h35
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  • Biógrafo do cantor Roberto Carlos, o escritor Paulo César de Araújo, ironicamente, tornou-se parte da história do artista quando, em 2006, lançou o livro Roberto Carlos Em Detalhes. Na época, a legislação brasileira dava poder ao biografado de proibir que um livro fosse publicado sem sua autorização. Após uma batalha judicial, a obra foi recolhida das livrarias e as vendas suspensas. O caso de censura, no entanto, motivou o Supremo Tribunal Federal a mudar a legislação mais adiante, liberando em 2015 a publicação de biografias não-autorizadas.

    O acordo de Paulo César Araújo com Roberto Carlos, no entanto, não impedia que o escritor voltasse a escrever sobre o artista. Desde então, ele lançou o livro O Réu e o Rei – Minha História com Roberto Carlos, em Detalhes (2014), em que contava sobre a batalha jurídica com o cantor. Agora, volta ao seu biografado e lança o primeiro volume de uma novíssima biografia, Roberto Carlos Outra Vez (Record, 94,90 reais), em que revê momentos da vida do artista a partir de suas canções mais famosas. Nas 925 páginas, o autor analisa cinquenta músicas lançadas entre 1941 e a década de 1970. O segundo volume, previsto para 2022, vai se debruçar sobre outras cinquenta composições lançadas de 1970 até os dias atuais e também deverá ter a mesma quantidade de páginas.

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    O escritor e biógrafo Paulo Cesar de Araújo
    O escritor e biógrafo Paulo Cesar de Araújo (//Reprodução)

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    Em entrevista a VEJA, Paulo César de Araújo relembrou da disputa jurídica que travou com o cantor e afirmou que as músicas do artista, a despeito de tudo o que aconteceu, ainda lhe inspiram boas recordações. Leia a seguir os principais trechos:

    O senhor encarou esta nova biografia como uma substituta do livro Roberto Carlos em Detalhes? O livro Roberto Carlos em Detalhes não será mais editado. Está fora de circulação. Roberto Carlos Outra Vez é um novo livro, muito maior, com mais detalhes e mais densidade. Mas não penso neste novo livro como um substituto porque eu não quero brigar com meu primeiro livro. Quinze anos depois, é natural que surjam novos fatos e novas fontes de informação.

    Após a decisão do STF liberando as biografias não-autorizadas, motivada pela proibição de seu livro, o senhor passou de biógrafo de Roberto a personagem da história do cantor. O que pensa disso? É uma ironia. Nunca foi a minha intenção me envolver nisso. Foi o Roberto Carlos que me incluiu na biografia dele. Agora, realmente, hoje não existe a possibilidade de falar da história do Roberto sem falar do que aconteceu comigo. Essa censura do Roberto Carlos foi um dos acontecimentos que mais marcaram a vida do cantor nos últimos anos. É importante dizer que ele tem uma visão patrimonialista da história. Ele acha que é dono da sua própria história, assim como uma pessoa pode ser dona de um automóvel ou de um terreno. Foi por essa lógica que ele pediu a minha prisão. Meu “crime” foi me apropriar indevidamente da história dele. Ele acredita que a história dele é particular e quem a “invade” comete o mesmo crime que quem invade um terreno ou rouba um carro. Claro que junto com isso tem o TOC (Transtorno Obsessivo-Compulsivo). Nos últimos anos, o Roberto não mudou seu pensamento. Ele apenas está encarando a realidade, já que o contexto hoje é outro.

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    Depois disso tudo, o senhor continua fã de Roberto Carlos? Eu nunca tomei como uma coisa pessoal. Eu não vejo esse processo como o Roberto Carlos querendo me atingir. Não acho que é uma coisa pessoal. Eu fui só mais um. Além disso, eu sou um profissional da memória. Sou um especialista em Roberto Carlos, sou um estudioso de música brasileira e continuo pesquisando. Chico Buarque, Gilberto Gil, João Gilberto e Tom Jobim são meus campos de pesquisa. Não posso brigar com os meus objetos de pesquisa. Ele pode ter raiva de mim, mas eu não posso brigar com ele.

    Em tempos de cancelamento, o senhor cancelaria o Roberto Carlos? Não cancelaria. O cancelamento surge após uma pessoa ser envolvida numa situação surpreendente, que parece incompatível com ela. O Woody Allen, por exemplo, tinha aquela imagem de intelectual, de um cara bacana. Daí vieram as denúncias. No caso do Roberto Carlos, não. Essa visão de censura dele já é algo que ele vem expressando desde os anos 70, 80, 90. Eu acho que quem foi surpreendido foi o próprio Roberto. Porque desde os anos 70 ele vinha no piloto automático, processando quem o desagradasse e nada acontecia com ele. Ele processava jornalistas e jornais sem maiores consequências. Quando ele veio para cima de mim, foi nesse mesmo embalo, só que o contexto da sociedade era outro. Para mim, o que me surpreendeu foram o Caetano e o Chico.

    Como assim? Como é que pode os caras que cantaram É Proibido Proibir e Cálice defenderem a proibição de livros? Eles criaram o movimento Procure Saber. O Roberto Carlos, nós já conhecemos. Mas o Caetano é autor de livros. Chico Buarque é um escritor premiado. A questão com eles se tornou muito mais complexa nesse sentido. Aquilo foi incompatível com a história dos dois.

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    O acidente que levou à perda da perna de Roberto Carlos na infância quase nunca é mencionado pela imprensa brasileira. Há no Brasil um certo pudor em falar a respeito? Ele já falou do acidente, mas sempre em momentos muito específicos. Ele sempre foi muito perguntado sobre isso na Itália, na Argentina e no México. Mas, no Brasil, vigora um pacto de não fazer perguntas sobre esse tema. Aqui ele sempre foi muito preservado, não tenho dúvidas. Teve uma época em que o Roberto fazia entrevistas coletivas todos os anos e nenhum jornalista se levantava para perguntar sobre isso. Mas uma coisa é ter um acidente desses quando adulto e maduro para entender. Lars Grael e Wagner Montes, por exemplo, perderam uma perna depois de adultos e depois apareceram diversas vezes em fotografias de bermuda. Outra coisa é o acidente ocorrer na infância. Roberto era uma criança, sem maturidade para lidar com isso. Daí, ele se torna um ídolo, um popstar e prefere esconder.

    Mas o senhor não respondeu: continua fã do Roberto? São canções que remetem à minha infância. Eu tive uma infância muito feliz. As canções do Roberto me levam para esse mundo. Esse aspecto afetivo contribuiu para eu também continuar trabalhando com esse material.

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