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‘Fico arrasada ao ver a obra dele parada’, diz Bebel Gilberto sobre o pai

Em entrevista a VEJA, cantora relembra dos últimos anos do pai e fala sobre o novo disco, 'Agora'

Por Felipe Branco Cruz Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 25 mar 2021, 16h50 - Publicado em 13 ago 2020, 17h17

Em seu novo trabalho, Agora, que será lançado em 21 de agosto, Bebel Gilberto, 54 anos, escreve uma carta ao seu pai, João Gilberto, em forma de canção na faixa O Que Não Foi Dito. Na letra, ela canta: “Na outra metade da vida / Você soube, fez tudo / Mas nessa metade / Vou ter que te ensinar / O que não foi dito”. A faixa é um desabafo que sai um ano após a morte do criador da bossa nova, quando Bebel, finalmente, se sentiu à vontade para falar publicamente sobre os acontecimentos dos últimos anos de vida do pai.

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Bebel conversou com a reportagem de VEJA por videoconferência na segunda-feira, 10, pouco mais de um ano após a morte de João Gilberto e um dia depois do Dia dos Pais. “Fiquei tristinha no domingo. Pensei muito nele, mas eu tento me segurar, porque se eu abrir a porta, já era”, disse. O último ano, aliás, não foi fácil para a cantora. Dois dias depois do Natal de 2018, ela perdeu a mãe, a cantora Miúcha. Seis meses depois, em 6 de julho, foi a vez de seu pai. “Quando eu olho para trás, eu penso como fui forte. Ainda não processei completamente.”

Capa do novo álbum de Bebel Gilberto, 'Agora'
Capa do novo álbum de Bebel Gilberto, ‘Agora’ (//Divulgação)

Gênio recluso, João Gilberto se viu envolvido em uma desavença familiar que envolveu sua ex-mulher Claudia Faissol, e os filhos João Marcelo, fruto do casamento de João com Astrud, e Bebel. Em 2017, Bebel conseguiu a interdição judicial do pai, após ele ter acumulado imensas dívidas. Com a morte do cantor, a advogada Silvia Gandelman foi indicada pelo Ministério Público para ser a inventariante, trazendo alívio para Bebel. “Ela é especialista no assunto. A única coisa que eu quero agora é que a obra do papai seja ouvida por todos”.

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Sobre seu próprio trabalho, Bebel relembra que já se vão 40 anos desde que cantou ao vivo pela primeira vez, aos 14 anos, a música Chega de Saudade, junto com o pai em um especial de TV. Lá se vão também 20 anos desde o lançamento de seu maior sucesso, o disco Tanto Tempo, que acumulou 3 milhões de cópias vendidas. O novo álbum, Agora, precisou de três anos para ficar pronto e conta com 11 composições próprias, produzidas por Thomas Bartlett, que captou o jeito suave e quase sussurrado de cantar de Bebel. Sobre o trabalho, ela o descreve como “leve, fluido, apesar de profundo, e extremamente criativo”. 

Depois de quase 30 anos vivendo em Nova York, você mudou para o Rio de Janeiro para cuidar da sua mãe e de seu pai e eles morreram em um curto espaço de seis meses. Como tem lidado com o luto? Vim para cá porque mamãe estava doente e o papai naquela situação. Eu estava morando em Nova York só para pagar contas. Calhou de eles falecerem. Decidi ficar de vez por aqui. Quando eu olho para trás, eu penso como fui forte. Ainda não processei completamente. Estou que nem cavalo e seguindo em frente. Eu tenho pavor de ficar mal, da depressão. Sou naturalmente uma pessoa animada. É claro que isso é uma forma de esconder a tristeza da gente. Eu tento ser realista. Todo mundo perde os pais um dia. Mas não precisava ser tão próximo. Foi uma porrada só. 

Seu novo trabalho precisou de três anos para ser feito e você incluiu uma canção em homenagem ao seu pai. Como foi a produção das músicas? O disco foi feito com várias interrupções porque eu tive que vir para o Brasil. Três anos é um tempão mesmo. O disco anterior ficou pronto em seis meses. Mas é bom passar bastante tempo e revisitar as músicas para acrescentar novas coisas. A faixa O Que Não Foi Dito, na verdade, é como se fosse uma carta para o meu pai. Na época, eu estava chateada pela repercussão do caso, que achei acima do normal. Quando eu fui para o estúdio, estava com isso na cabeça. Foi a forma que  encontrei para explicar para ele, de me desculpar e cantar o que eu queria. Ele nunca escutou a música, mas acho que fui corajosa em cantá-la.

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Por falar no seu pai, ontem (domingo, 9) foi Dia dos Pais. Como passou esse dia? Eu estava bem tristinha. Tentei passar bem. Cozinhei, cuidei da casa e pensei muito nele, obviamente. Coisas da quarentena. Eu tento me segurar, porque se eu abrir a porta, já era. 

Como estão sendo resolvidas as pendências judiciais e a herança de seu pai? Se eu soubesse, eu te contaria. Agora não depende mais de mim. Está nas mãos da doutora Silvia Gandelman. Ela é fera! Eu não quis ser a inventariante. As pessoas acharam que eu poderia ser a inventariante porque pedi a interdição do papai. Quando eu descobri quais seriam o ônus, o trabalho e o compromisso, eu saí correndo. Não sou executiva. Eu sou cantora. É a última coisa que eu queria fazer. O que eu quero é ajudar a manter a memória dele viva. Fico arrasada ao ver a obra dele parada. Esse é um assunto delicado e não poderia ser diferente. Para mim, o importante é que a obra dele seja explorada e não vire esse papo que a gente está tendo agora. A música dele foi inovadora. 

Há material inédito do seu pai que você gostaria de lançar? Sim. Existem shows inéditos e até discos inéditos. Muitas músicas gravadas que não foram lançadas. É um material incrível. Ele gravava todos os shows. Tem um show de uma cidadezinha na Espanha a que ninguém teve acesso e agora poderíamos divulgar. 

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Sua música já foi descrita como “bossa nova eletrônica” e “nova bossa nova”. Você chegou a descrever a sua música como “sensual”. Já imaginou quantos bebês foram feitos ao som dela? Adoro! [risos] Sou total “making baby” (fazedora de bebês). Meu nome deveria ser “Bebel Making Baby”. Muitos casais já vieram falar comigo. Tem um casal do Oregon, nos Estados Unidos, que me disse que o filho se chama Brasil. Eu imagino que bebês já foram feitos ao som do papai também. Ele deve ter feito um monte. Acho que isso começou com ele. Minha música tem um som próprio. Não chamo de releitura nem de bossa nova eletrônica. Ela tem um mood de trilha sonora.   

Como eram as visitas que fazia ao seu pai? Ele te mostrava jeitos novos de tocar as músicas dele? Papai era super-sedutor. Um grande brincalhão. Meu lado irônico e brincalhona vem dele. Quando eu dizia que ia embora, ele dizia: “Mas já? Você chegou há cinco minutos”. E eu estava lá há mais de cinco horas. Então ele pedia para eu cancelar meu voo, jantar com ele e passar a noite por lá. E eu ficava. Fiz isso várias vezes, graças a Deus. Aí ele me dizia: “Tenho uma coisa importantíssima para te dizer. Não vá embora, por favor, por favor”. Numa dessas, ele pegou o violão e começou a tocar Wave. E cantou assim: “Da primeira vez era a cidade”, cantando baixinho a sílaba “da”, que abre a frase. Assim era o jeito certo, ele dizia. Depois cantava da maneira que ele achava que estava errado, dando ênfase ao “da”. E em seguida ele continuava cantando: “agora eu já sei, da onda que se ergueu do mar…”. Papai era assim.

Além de ser filha do casal João Gilberto e Miúcha, seu avô era Sérgio Buarque de Hollanda. Como era a relação com ele? Eu era muito espoleta. Imagine, meu avô, todo sério e uma neta como eu, falando em espanhol? [Bebel cresceu no México]. Eu sentava no braço da poltrona e ele me dizia que a febre amarela era um senhor muito velho que tinha um cajado amarelo e ficava atrás da porta. E eu ficava com medo porque olhava a fresta da porta, com a luz amarelada, e achava que era o cajado da febre amarela. Mas ele compensava isso, dizendo que ele era a vovozinha e eu o lobo mau, na historinha do Chapeuzinho Vermelho. 

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Você foi melhor amiga do Cazuza, que recentemente foi relembrado quando se completaram 30 anos de sua morte. O que mais sente falta dele? Sinto falta de quando ele me ligava e dizia: “Vamos para a praia. Tô passando aí, desce! O mar está transparente. Dormiu, perdeu!”. Ele curtia tudo. Um simples dia na praia era tudo. A gente comia muito camarão com chuchu. O Caju [apelido de Cazuza] era autêntico. Encontrei um bilhete que ele escreveu para mim. Vou ler para você: “Bebel são flores silvestres no vaso da sala. Mas, cuidado, ela esconde a solidão e os espinhos do verdadeiro artista. Bebel é um banquinho e um violão atirados no meio de uma banda de rock. E Bebel é a nova geração da bossa nova. Tem sobrancelhas de Bete Davis sobre o olhar de menina. Bebel é a minha maninha e a minha musa e eu tenho aprendido muito com ela”. Ele era assim.

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