Filme ‘Django’ abre Festival de Berlim em tom sombrio
Longa do estreante Étienne Comar fala do despertar da resistência do músico de origem cigana perseguido pelos nazistas

É meio tradição abrir um festival de cinema com um filme mais para cima, de preferência com toques cômicos como Ave, César!, de Joel e Ethan Coen, ou O Grande Hotel Budapeste, de Wes Anderson, ou divertidos, de gênero, como O Grande Mestre, produção de Wong Kar-wai sobre kung fu – todos longas de abertura em Berlim nos últimos anos. Sinal dos tempos, este não é o caso de Django, do francês Étienne Comar, que abriu o 67º Festival de Berlim na noite da quinta-feira (9) num tom sombrio.
O filme é uma cinebiografia de Django Reinhardt (Reda Kateb), músico conhecido por misturar o swing e o jazz com um toque cigano nos anos 1930 e 1940 – e que inspirou o nome do herói no western spaghetti de Sergio Corbucci, por sua vez homenageado por Quentin Tarantino em Django Livre. Comar, roteirista de filmes como Meu Rei, de Maïwenn, e estreante na direção de longas, decidiu, porém, focar num período específico, de 1943 a 1945.
Famosíssimo na época, Django, de origem cigana, só quer tocar sua música vibrante, sem se preocupar com o que acontece à sua volta, mesmo que, no caso, a França esteja ocupada pelos nazistas, que têm no povo também conhecido como roma um de seus principais alvos – a quantidade precisa de ciganos mortos no Holocausto é desconhecida, com estimativas variando entre 220.000 a 1 milhão. “Eu era fã de sua música, que costumava escutar na minha infância”, disse Comar na coletiva que se seguiu à sessão de imprensa. “Mas, ao focar nesse período especificamente, não tive como ignorar os paralelos com o mundo de hoje, os refugiados, o posicionamento do artista, as diversas formas de restrição de movimento.”
Django evita o sentimentalismo ao destrinchar de maneira gradual os horrores implementados com gosto por muitos franceses a mando dos nazistas. As ameaças chegam aos poucos, e a conscientização do músico sobre o que realmente está acontecendo, também. Por ser famoso, Django se via como imune à ira nazista, mesmo sendo cigano. No começo, há uma pressão comercial para tocar na Alemanha, para Goebbels, e, pouco tempo depois, os músicos estão recebendo ordens específicas sobre o que podem ou não tocar e de que maneira.
“Sistemas terroristas frequentemente atacam a música”, disse Coman. “Não à toa a propaganda nazista tentou colocar regras no jazz, porque eles viam ali uma mistura de culturas que não era desejável em sua visão.” Até que, numa das cenas mais impressionantes, Django é levado para a cadeia, onde passa por um exame físico que mede seu crânio e tenta definir a queimadura em uma de suas mãos como um defeito genético próprio dos ciganos e seus casamentos consanguíneos. A situação fica insustentável, e Django, sua mãe (a excelente BimBam Merstein) e sua mulher (Beata Palya) fogem de Paris depois de receber um aviso da amante do músico (a personagem fictícia Louise de Clerk, interpretada por Cécile de France).
O filme parece replicar o passo-a-passo da perseguição, permanecendo em banho-maria por muito tempo e finalmente ganhando força no final. Tradicional no formato, é um longa que se encaixa no festival mais por lembrar que o totalitarismo costuma ter início com medidas suaves e até aparentemente bobas – como tem sido frequente ouvir nos últimos meses, o Holocausto que matou 6 milhões de judeus e de 25% a 50% da população cigana na Europa na época não começou com as câmaras de gás. Ou seja, o longa acaba falando que é preciso estar atento desde o princípio. No fim, Django vale mais pelo que diz do que por como diz.
