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Filme perdido que ‘profetizou’ nazismo reestreia 94 anos depois

Bettauer, o autor do romance satírico que inspirou o filme sobre perseguição injusta aos judeus, foi assassinado por nazistas meses depois da estreia

Por agência EFE
Atualizado em 20 mar 2018, 12h20 - Publicado em 20 mar 2018, 12h18

Em um cenário com os níveis de inflação e desemprego nas nuvens, depois da Primeira Guerra Mundial, os habitantes de uma cidade de língua alemã encontraram um bode expiatório — a população judaica — e uma solução: expulsá-la. O que parece refletir o antissemitismo do Terceiro Reich é o profético argumento do filme mudo A Cidade sem Judeus, lançado em 1924, quando o partido nazista ainda era proibido e Adolf Hitler escrevia na prisão o livro Mein Kampf (Minha Luta).

Baseado em um romance satírico do escritor judeu Hugo Bettauer, o longa-metragem desapareceu na década de 1930 até que um colecionador encontrou uma cópia completa em 2015 em um mercado de rua de Paris. Agora, quase 94 anos depois, o filme restaurado reestreia nesta quarta-feira no cinema Metro de Viena.

A Cidade sem Judeus não é um filme mudo qualquer, mas uma antecipada mensagem antinazista, e a primeira obra visual dedicada exclusivamente a criticar o antissemitismo”, diz o diretor-gerente do Filmarchiv da Áustria, Nikolaus Wostry. “O Filmarchiv é basicamente a biblioteca nacional dos filmes austríacos, razão pela qual temos um especial dever com esta obra por sua mensagem de tolerância”, acrescenta.

A trama do filme mostra não só as circunstâncias econômicas que levaram ao auge do antissemitismo, mas também relata as consequências do êxodo da população judaica de Viena, chamada de “Utopia” no filme. A deportação dos judeus acontece sob fogos de artifício, mas a economia, longe de melhorar, se dirige à ruína absoluta, o desemprego e a pobreza aumentam e a vida cultural desmorona. Ao final, os judeus recebem boas vindas da mesma multidão que festejou sua partida.

A realidade superou a ficção apenas quinze anos depois, quando os judeus foram assassinados em massa em campos de extermínio nazista. “Em 1924, não se podia conceber que se pudesse assassinar pessoas de forma industrial. Essas imagens não estão neste filme. Nesse sentido não é uma profecia do que aconteceu, mas um apelo à tolerância”, refletiu Wostry.

A nova cópia oferece novidades em relação à única versão incompleta conservada, achada em 1991 em Amsterdã e que carecia de final porque faltava o último rolo do filme. Na versão restaurada, se observa a virulência do antissemitismo desde o primeiro momento, incluindo ataques físicos, e o final é uma chamada à tolerância e à convivência.

“É um filme muito incomum porque aborda o antissemitismo de forma explícita. E em um filme isso tem mais impacto que em um romance, é mais visual”, comenta Wostry. A ficção mostra um final feliz com a volta da população judaica, algo que contrasta com a realidade austríaca após o Holocausto, destaca o diretor da Filmarchiv. A Áustria não só não ajudou os sobreviventes do Holocausto, criticou o especialista, como também demorou décadas para reconhecer sua responsabilidade como Estado no massacre.

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“A população judaica austríaca fez uma enorme contribuição à cultura e à ciência deste país. Possivelmente não há nenhum outro país na Europa que deva tanto à sua população judaica”, ressalta. “Existe uma contradição na história da Áustria”, diz Wostry, acrescentando que seu país costuma identificar-se com artistas e cientistas judeus, como Sigmund Freud e o escritor e dramaturgo Arthur Schnitzler, mas encara com má vontade seu histórico antissemita.

O filme pôde ser restaurado graças a uma campanha de microfinanciamento que conseguiu arrecadar em 2016 mais de 75.000 euros.

Wostry não esconde sua decepção pelo fato de não ter havido fundos públicos para restaurar um filme tão importante, mas se mostra muito orgulhoso da grande resposta da sociedade civil. A restauração é também importante pela sua atualidade, salientou, já que o filme fala das desastrosas consequências de demonizar uma minoria e isso se aplica tanto então como agora, quando crescem as tendências nacionalistas na Europa.

 

Lançamento em 1924

A estreia em 1924 de A Cidade sem Judeus causou protestos de simpatizantes nazistas e houve inclusive agressões contra quem tentava ver o filme.

O filme marcou a vida de muitos dos que estiveram envolvidos com ele de alguma forma: Bettauer, o autor do romance que a inspirou, foi assassinado por nazistas meses depois da estreia.

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O diretor e roteirista, Hans Karl Breslauer, não voltou a dirigir e morreu na pobreza em 1965. A co-roteirista Ida Jenbach foi deportada ao gueto de Minsk e morreu ali em 1941.

E, em um cruzamento de destinos, o ator que interpretou o protagonista judeu do filme, Johannes Riemann, filiou-se ao partido nazista e em 1944 chegou a atuar para as SS (organização paramilitar de Hitler) em Auschwitz.

Pelo contrário, Hans Moser, que encarnou um furibundo antissemita, se negou durante o regime nazista a divorciar-se da sua esposa judia.

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