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‘Game of Thrones’ fez de mim um ator

A vida do paulista Lino Facioli, de 18 anos, divide-se entre antes e depois de atuar na série da HBO

Por Lino Facioli
Atualizado em 4 jun 2024, 15h59 - Publicado em 7 jun 2019, 07h00

Quando fui escalado para trabalhar em Game of Thrones, aos 8 anos, minha mãe ficou nervosa. Eu teria de fazer uma cena em que era amamentado, já com aquele tamanho todo, pela atriz Kate Dickie, a Lysa Arryn da série. “Você vai sofrer bullying”, dizia minha mãe. Minha empresária tentava acalmá-la: “Fique tranquila. É série curta”. Acabou me consumindo sete anos, dos 8 aos 14, mais a temporada final, que gravei aos 17. Quanto à cena com Kate, não senti nenhum constrangimento. Ela usou uma prótese de silicone nos seios, e o leite era à base de pó de maquiagem. No final, minhas duas mães — a da ficção e a da vida real — viraram grandes amigas. Bullying? Nunca sofri. Ao contrário: as pessoas me davam força, me elogiavam. Game of Thrones fez de mim um ator de verdade.

Lino Facioli
(//Arquivo pessoal)

Cheguei aos palcos de uma maneira engraçada. Vivia às voltas com um cachorro imaginário, e um dia ele morreu, como morrem as fantasias. Chorei, chorei tanto que a escola chamou meus pais. Disseram que eu era muito dramático. E o drama me levou ao teatro do colégio, em Londres, onde morávamos desde que saímos de Ribeirão Preto, minha cidade natal, atrás de uma vida melhor fora do Brasil. Acabei sendo descoberto ali, no auditório da escola, pelos produtores da série, que me convidaram para um teste. Era para valer. Ninguém considerou: “Vamos devagar que o menino tem só 8 anos”. De cara, eles pediram uma cena na qual meu personagem ordenava que lorde Tyrion Lannister, interpretado por Peter Dinklage, fosse arremessado de um penhasco. Fiz, mas saí tremendo do estúdio. Em poucos dias, veio a notícia: haviam me escolhido.

Lino Facioli
(//Arquivo pessoal)

Fui ganhando confiança. Uma vez, George (R.R. Martin, autor dos livros que deram origem à série) me parou no set. Ele acompanhava as gravações e era muito respeitado por todo mundo. Aí me disse: “Garoto, você está fazendo o Robin Arryn exatamente do jeito que eu imaginei”. O encontro me marcou. Tive, sim, uma infância diferente por ser ator da série, mas ao mesmo tempo segui com escola, vida social, amigos. Ficava duas semanas filmando por temporada — uma vez na Irlanda, outra na Espanha. Perguntavam-me muito sobre a trama, claro, e nesse ponto há uma curiosidade: como eu era pequeno, meus pais não deixavam que eu assistisse à série inteira. Só às minhas cenas.

Fiquei duas temporadas fora do ar, até que me ligaram convidando para compor o elenco da última delas. Foi uma surpresa. Fazer parte de uma obra sobre a qual todo mundo está falando é uma sensação divertida. Um grande mistério rondava o final. Tive de assinar um acordo de confidencialidade pelo qual me comprometia a não revelar nada a ninguém. E, engraçado, dessa vez meus amigos não queriam saber nada mesmo. “Não vem com spoiler”, me pediam. Houve muita polêmica sobre o fecho da saga. Eu adorei. Comoveu o elenco. Não era previsível. Para completar, meu amigo Isaac (Hempstead Wright), o único que entrou tão jovem quanto eu nas filmagens, virou rei. Torci pelo Bran Stark. Meu personagem não ambicionava o trono de ferro. O negócio dele é continuar a jogar pessoas do penhasco.

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Organizamos uma festa no fim das gravações, em Sevilha. Levei de recordação para casa a águia de vidro que Robin ganhou de Lorde Baelish, o Mindinho. A série me deixou uma herança muito maior. Meu personagem me ensinou a sentir-me confortável em minha própria pele, a não ter medo do ridículo. Não fiquei rico, mas minha carreira deslanchou. Vivo de ser ator em Londres. Agora, estou filmando para um canal de streaming. As pessoas me pedem autógrafo na rua, elas querem fotos comigo e ainda gostam de trocar ideias sobre a série. Vai levar tempo para entendermos a dimensão de Game of Thrones.

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Depoimento dado a Bruna Motta

Publicado em VEJA de 12 de junho de 2019, edição nº 2638

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