Com a eclosão da pandemia, e o compulsório isolamento social, associado aos cuidados sanitários, não foram poucos os que decretaram o fim de um hábito universal: fazer as unhas, ir à manicure. Contudo, tal qual na irônica frase do escritor Mark Twain (1835-1910) ao saber que escreviam seu obituário antecipadamente — “as notícias sobre minha morte têm sido exageradas” —, cabe dizer que o anúncio foi prematuro. As garras femininas continuam afiadíssimas, e em tempo de home office, com chamadas de vídeo em profusão, ter as mãos bonitas, vistosas, é instrumento de poder. Vive-se o renascimento das chamadas nail arts (artes de unha, do inglês.)
O impulso veio de celebridades internacionais que aderiram com força ao recurso estético para complementar as roupas e acessórios das apresentações e aparições on-line. Uma das pioneiras do uso de unhas exuberantes foi a cantora Rihanna, aclamada por fãs de faixas etárias mais jovens. A partir de então, a moda ganhou tração, com versões cada vez mais exageradas. O acessório cresceu a ponto de se tornar protagonista. Algumas unhas têm dimensões impressionantes (chegam a ter 3 centímetros) e impõem uma questão: é possível, com elas, realizar tarefas básicas como segurar talheres, abrir latinhas de refrigerante ou digitar no teclado do smartphone? Sim, esta parece ser a resposta. Tem feito sucesso no YouTube uma coleção de vídeos em que as pessoas tentam — e conseguem — passar dias ou semanas com unhas imensas, tal qual a rapper Cardi B e a cantora pop Rosalía.
Compara-se a profusão de unhas desenhadas, e as tentativas de domá-las, ao uso de um outro adereço feminino que também requer destreza para não passar vergonha: o salto alto. No caso das unhas, a sensação de empoderamento é semelhante. “Uma cliente disse que se sente tão poderosa como se usasse um stiletto”, diz Cláudia Simões, conhecida como Negra Bá, uma das mais cobiçadas manicures do Brasil, que já cuidou das mãos de artistas como a atriz Cleo e a cantora Luísa Sonza, ambas adeptas do estilo. Em seu badalado estúdio nos Jardins, em São Paulo, saem modelos que chegam a demandar nove horas de trabalho. O uso de pedrarias, cores e até pedaços de vestidos de noiva — para copiar a estampa — complementam os matizes de esmalte para lá de chamativos.
A onda contemporânea bebe das femme fatales que brilhavam nas telas do cinema americano nos idos de 1930. “Na época o visual era ligado à emancipação que as mulheres experimentaram com o fim da I Guerra Mundial”, diz João Braga, professor de história da moda na Fundação Armando Alvares Penteado (Faap), de São Paulo. O caráter libertário que está presente em boa parte das tendências de estilo aparece igualmente nas unhas, sobretudo para as mulheres de pele negra, que por décadas ostentaram a extensão na ponta dos dedos, mas sem a ruidosa louvação de agora. Hoje, ostentá-las é um manifesto de poder, como quem diz “estou aqui e quero aparecer”. Pode ser movimento passageiro, desses que desbrotam e somem, especialmente em tempos efêmeros de redes sociais, mas é interessante demais para ser negligenciado. As mulheres têm falado com as mãos — e é preciso prestar atenção.
Publicado em VEJA de 3 de março de 2021, edição nº 2727