No início do ano, quando estava esperando seu primeiro filho, a cantora canadense Claire Elise Boucher — mais conhecida como Grimes — inaugurou uma forma high-tech de não parar de trabalhar e divulgar seu novo álbum, Miss Anthropocene. Ela criou um avatar, chamado de War Nymph e dotado de inteligência artificial, para lidar com a imprensa e os fãs. “Ter um corpo digital me permitiu continuar trabalhando nos estágios finais da minha gravidez. É uma forma de tecnofeminismo, ou algo assim”, já definiu a artista de 32 anos. O personagem virtual, inclusive, substituiu Grimes ao participar do clipe da música Cry, da cantora pop Ashnikko, lançado recentemente.
A estratégia peculiar resume bem quem é Grimes, o tipo de trabalho que ela faz e a família que está construindo ao lado do marido, o bilionário Elon Musk, dono da fábrica de carros elétricos Tesla e da empresa espacial SpaceX (cujo objetivo é levar o homem a Marte). O casal, que está junto desde 2018, gosta de bater boca em público. Em muitos casos, o ativismo de Grimes colide com as ideias de Elon Musk. Recentemente, Musk escreveu no Twitter que o pacote de estímulo do governo americano para empresas afetadas pela quarentena não atendia aos interesses do povo. Em tom de reprimenda, Grimes digitou que amava Musk, mas pediu: “Por favor, desligue seu telefone ou o entregue a mim. Eu não apoio o ódio. Pare. Eu sei que isso não está no seu coração”. Os seguidores do casal fizeram graça com o barraco. “Hoje, Grimes vai botar Musk para dormir na câmara hiperbárica”, escreveu um deles.
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O casal que adora uma DR pelas redes sociais compartilha também o gosto por tecnologia e foguetes, e causou furor ao anunciar que o bebê, nascido em maio, se chamaria X Æ A-Xii. O nome mistura a variável X da matemática com Æ de inteligência artificial e o nome da aeronave favorita deles: o jato A-12. Para facilitar, os pais referem-se ao menino só como “Baby X”. Bem no espírito dos tempos atuais, aliás, o casal se conheceu no Twitter. Eles descobriram que tinham tudo a ver um com o outro em meio a uma discussão sobre inteligência artificial. Ela vive com Musk na mansão dele em Los Angeles (o magnata tem cinco filhos do casamento com Justine Musk e, antes de Grimes, namorou Amber Heard, ex de Johnny Depp).
Excentricidade é uma marca que une a dupla. Para se acalmar, ela gosta de treinar com espadas e segue o ritual de gritar por 25 minutos dentro de seu estúdio. No currículo de Grimes e Musk há ainda um barraco cabeludo revelado pela rapper Azealia Banks — e já refutado pelo bilionário. Grimes teria chamado Azealia para gravar com ela na mansão, mas a deixou esperando sozinha por dias enquanto supostamente dava uma de pajem do companheiro alteradão. Azealia alardeou depois que Musk a teria convidado para algo mais com o casal e divulgou mensagens em que Grimes tecia comentários sobre os dotes do dono dos foguetes da Space X.
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Ah, sim: barracos à parte, sua música está na boca do povo. Expoente de uma vertente musical alternativa batizada de witch house (“house de bruxa”), ela explora o contraste entre sua voz doce e bases eletrônicas dançantes e hipnóticas — o resultado é uma mistura amalucadinha de Björk e Billie Eilish. O visual supercolorido da cantora remete mesmo ao de uma bruxinha fofa. Mas ela se revela o contrário disso: suas canções não raro abordam temas pesados e investem na sensualidade subversiva. Para além da música, Grimes volta-se para causas como a ecologia e a proteção das minorias. Em Miss Anthropocene, usa sua fúria para defender a preservação do planeta. A cantora se revela, sobretudo, uma feminista feroz. Em Oblivion, um de seus hits, ela narra um episódio de agressão sexual que sofreu no passado. Na indústria fonográfica, denuncia a quantidade de homens em cargos de comando. Por isso, desde o início todos os seus discos foram produzidos pela artista, que tem controle total sobre a própria obra.
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A cantora nutre ideias tão extravagantes quanto sua persona. No momento, seu principal projeto é o avatar virtual. A personagem digital foi apresentada nas redes como um bebê que cresceu com o passar do tempo. A meta — que poderia facilmente figurar em um episódio da distópica Black Mirror — é separar a vida pessoal de Grimes da sua figura pública. Até agora, War Nymph ainda não é capaz de fazer nada sozinha, mas a cantora quer criar versões cada vez mais evoluídas. Com a criatividade sem fim de Grimes, aliada à mente visionária de Musk, quem sabe o próximo filho do casal não nascerá em Marte?
Publicado em VEJA de 19 de agosto de 2020, edição nº 2700
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