Holly Black: ‘Meus livros são escapistas, mas com um pé na vida real’
Em entrevista a VEJA, autora da saga 'O Povo do Ar' conta sobre de onde tira inspiração para criar fantasia – e como é seu 'frustrante' processo de escrita
Autora de sagas de fantasia recorrentes na lista de livros mais vendidos de VEJA, a americana Holly Black, de 49 anos, tem sido um dos escapes favoritos de adolescentes durante a quarentena. Com uma narrativa envolvente e um universo mágico construído praticamente do zero, a autora de O Povo do Ar oferece ao público jovem a oportunidade de sentir o mundo real através do inventado: “Meus livros são escapistas, mas refletem a experiência humana”, conta ela a VEJA por e-mail. Para além da fonte de inspiração, Holly divide o seu “frustrante” processo de escrita e os primeiros passos que deu no universo da fantasia, já na infância. Confira a entrevista abaixo:
De onde vem sua inspiração para escrever livros infanto-juvenis? Adoro escrever sobre pessoas que têm os pés em dois mundos, e adolescentes são isso inerentemente: estão no processo de transição da infância para a idade adulta. É um momento de tomar grandes decisões sobre quem eles querem ser, e acho que os livros refletem isso e fazem parte desse processo. E são histórias que se conectam com o mundo real. Histórias sobre magia são sempre metafóricas e nos permitem falar sobre a realidade, mesmo que de forma enviesada. Os lobisomens, por exemplo, nos fazem observar a raiva com outros olhos. Changelings (crianças humanas de alma feérica) simbolizam o sentimento de não pertencer. Apesar de serem escapistas, meus livros sempre precisam ter um pé em experiências humanas do mundo real, emocionalmente falando, para serem ressonantes.
Como é seu processo criativo? Frustrante! Normalmente começo com uma imagem, ou um estado de espírito, e um ou dois personagens que estão na minha cabeça. Em seguida, tento transformar esses pedacinhos em um livro, criando o cenário e as regras desse novo sistema mágico, o antagonista e temáticas mais amplas. Requer muita escrita, revisão, grandes pedaços de texto jogados fora, reformulações, etc. E ele foi bem afetado pela pandemia: como alguns já sabem, eu vivo na mesma cidade que minha amiga, e às vezes co-autora, Cassandra Clare. Em tempos pré-pandêmicos, eu costumava trabalhar em uma grande mesa na casa dela, junto com nossa colega Kelly Link. Neste último ano, no entanto, passei muito tempo escrevendo no meu escritório, regularmente invadido por meu filho de oito anos que gosta de me mostrar várias coisas. Não vejo a hora de poder sair de casa e voltar a escrever junto com elas em breve.
Você cresceu em uma mansão vitoriana em Nova Jersey com a sua mãe, uma apaixonada por histórias sobre fantasmas, fadas, etc. É daí que veio sua paixão por fantasia? Eu sempre amei fantasia, e a possibilidade de que o mundo é muito maior e mais esquisito do que supomos. Cresci acreditando que o sobrenatural era possível, o que adicionou doses saudáveis de medo às histórias que me eram contadas, mas também bastante fascínio. Acho até que fui atraída pela riqueza do folclore em todas as fases da minha vida. Minha mãe, em particular, tinha um livro ilustrado de história do folclore de fadas, ilustrado por Brian Froud e Alan Lee. Os desenhos eram assustadores, assim como muitas das histórias, mas eram bonitos também. Isso deixou uma grande marca em mim, assim como uma coleção de folclore de vampiros que li na mesma época.
Que impacto esse tipo de história teve durante a sua juventude? Bom, viver em uma casa que caia aos pedaços e que já parecia ser parte do cenário de uma história mágica certamente impactou a forma com que eu via o mundo. Eu sempre fui uma criança sonhadora, com a cabeça nas nuvens, mas, principalmente, acho que essas histórias me fizeram querer procurar outros leitores que amavam o que eu amava, com quem eu poderia conversar sobre fantasia e folclore.
Em O Príncipe Cruel, a protagonista sofre na mão de jovens brigões. Você foi vítima de bullying durante a adolescência? Acho que nunca fui perguntada sobre isso antes. Sofria bullying constantemente durante a minha adolescência, em especial entre os 10 e os 13 anos, o que tornou a escola uma experiência verdadeiramente miserável. Mas esse momento da minha vida não inspirou O Príncipe Cruel, apesar da fantasia remeter a isso em alguns momentos.
Que tipo de retorno recebe dos fãs, especialmente durante a pandemia? O quão importante é estar em contato com eles? É muito bom poder conversar com pessoas de todos os lugares do mundo que leem o meu trabalho, apesar de ser uma distração para escrever! Tento limitar meu tempo online, mas sempre respondo às cartas de fãs, mesmo que demore muito. Agora na pandemia, o que eu tenho ouvido é que os livros viraram, mais do que nunca, uma válvula de escape. Alguns dizem que têm achado difícil ler qualquer coisa durante a pandemia, enquanto outros estão relendo obras favoritas, como uma espécie de conforto. A literatura foi uma grande ajuda para mim e para a minha família também – mesmo sem poder estar no mundo lá de fora, viajamos através dos livros.