Hollywood sobre rodas: por que os road movies estão em alta
Eles continuam levando multidões ao cinema e alimentando sonhos ao volante
Nos versos de Canção da Estrada Aberta, um de seus poemas mais famosos, o americano Walt Whitman (1819-1892) clama: “A pé e alegre, vou para a estrada aberta / Saudável, livre, o mundo diante de mim / O longo caminho adiante me levando aonde eu quiser”. A liberdade de viajar e a transformação provocada pelo percurso sempre instigaram a curiosidade do ser humano. Relatos de aventuras em terras distantes marcaram a história da literatura, da música e do cinema. Como não poderia deixar de ser, Hollywood tem uma relação de amor com essas jornadas, especialmente aquelas sobre rodas. São os road movies, os filmes que acompanham viagens a bordo de veículos possantes. Trata-se de um gênero longevo que, com variações de cenário, motor e carroceria, mantém o fôlego — a safra cinematográfica atual é prova disso.
Embora a produção se identifique oficialmente como filme de catástrofe, Twisters, em cartaz no Brasil, tem todos os ingredientes de um road movie. Na trama, um grupo de caçadores de tornados tenta usar uma inovadora tecnologia de alerta meteorológico para reduzir os riscos de comunidades que estão na rota das tempestades. Eles precisam se aproximar perigosamente dos fenômenos naturais e o fazem em parrudas caminhonetes, equipadas com dispositivos para grudá-las no chão mesmo em meio à ventania. Boa parte do enredo se desenrola dentro dos veículos. “É um road movie, mas só percebi isso enquanto filmava”, declarou o diretor Lee Chung.
A principal referência do cineasta americano foi o trabalho do australiano George Miller, conhecido pela franquia Mad Max. Há poucas semanas, ele estava em cartaz com Furiosa, outro de seus épicos pós-apocalípticos ambientados em um mundo em que os potentes motores V8 são cultuados e a gasolina é tão valiosa quanto água e munição. Da mesma forma, a ação frenética se passa em carros e caminhões modificados, feitos para continuar acelerando enquanto a humanidade galopa em seus últimos suspiros.
A longevidade do fenômeno está relacionada à capacidade do gênero de abarcar uma grande variedade de temas. “Conhecemos essa estrada e sabemos o pedágio que ela cobra: antes de a jornada terminar, os personagens terão vivido um rito de passagem e descoberto a si mesmos”, escreveu o reputado crítico Roger Ebert em sua resenha de Thelma & Louise, um dos mais emblemáticos filmes de estrada. A representação física da viagem — antes, a cavalo e, depois, ao volante — induz uma metamorfose nos protagonistas. É o que explica o apelo de clássicos como Sem Destino, de 1969, que retrata a revolução cultural nos Estados Unidos com os personagens trilhando vias poeirentas sobre duas rodas.
O êxito desse estilo de cinema também está nas metáforas sociais. Vencedores recentes do Oscar se enquadram na categoria dos road movies. Green Book, de 2018, falava do racismo no sul dos Estados Unidos, enquanto Nomadland, de 2020, abordava os nômades modernos que moram em vans e cruzam estradas em busca de trabalho. O chamariz também pode vir pela paixão de dirigir máquinas poderosas. Daí o sucesso da série Velozes e Furiosos, centrada em acrobacias automobilísticas, cujo décimo primeiro capítulo chegará aos cinemas em 2026. A franquia já arrecadou 7 bilhões de dólares. É uma prova de que esses filmes continuam rodando com o tanque cheio.
Publicado em VEJA de 26 de julho de 2024, edição nº 2903