Home office: o desafio de trabalhar distante da empresa
A solução é o modelo híbrido, que deve ser adotado pela maioria das empresas no pós-pandemia
A verdade é que as empresas esperavam por este momento: o dia em que o teletrabalho seria tão corriqueiro quanto pegar um ônibus. Elas já sabiam que poderiam economizar muito com aluguel e energia, mas ainda pairavam dúvidas em relação à produtividade — se aumentaria, diminuiria ou permaneceria a mesma. A pandemia parece ter acelerado o processo e respondido a algumas questões. Estudos de múltiplas consultorias nacionais e internacionais mostram que, enquanto a ocupação de lajes corporativas caiu em 40%, a produtividade tomou caminho contrário, subindo em média 50%. Resta agora saber se a melhoria no desempenho será permanente ou apenas um efeito colateral do medo que as pessoas têm de perder o emprego na crise. E mais relevante: descobrir como ficará a saúde mental dos funcionários no distanciamento.
Segundo pesquisa recente da consultoria de recrutamento Robert Half, 92% dos colaboradores são favoráveis ao trabalho remoto, tendo o modelo híbrido (parte em casa, parte no escritório) como o preferido. Ainda que as companhias estejam alinhadas com esse desejo, há um lado do home office potencialmente sombrio que não pode ser ignorado: os efeitos deletérios sobre as pessoas. Se, por um lado, o profissional rende mais afastado das distrações inerentes ao convívio social, ele fica à mercê de outros transtornos. Um levantamento da Royal Society for Public Health, instituição britânica dedicada à saúde, revelou que 67% das pessoas forçadas a fazer home office reportaram queda de empatia com os colegas, enquanto 37% relataram distúrbios de sono.
“Os problemas podem ir além da solidão e do burnout, o esgotamento físico e mental ocasionado por excesso de tarefas”, diz Eliseu Urban, sócio da Valuing, empresa de treinamento de executivos. “Já foram relatados falecimentos não relacionados à Covid-19, brigas em teletrabalho e até uma aparente tentativa de suicídio.” Urban também pontua que, por esses motivos, as empresas estão oferecendo ajuda psicológica aos funcionários, além de aproximá-los dos gerentes-seniores. “A saúde mental das equipes passou a ser prioridade dos RHs”, afirma o especialista.
A postura assumida pelas grandes empresas confirma a percepção das consultorias. A Johnson & Johnson instituiu um modelo que incentiva os profissionais a se desconectar uma sexta-feira por mês para relaxar. A Heinz, além de oferecer auxílio financeiro para o home office, tem bloqueado as manhãs de segunda-feira a fim de permitir que as pessoas se organizem para a semana sem ter de se preocupar com isso no domingo. A BR Distribuidora optou por oferecer atendimentos virtuais de medicina e psicologia. O fundo Aqua Capital, de agronegócio, foi além: busca entender quais empregados podem estar próximos do burnout para impedir que aconteça. A Cielo passou a oferecer apoio contra ansiedade e depressão. Caminho semelhante percorrem a companhia de tecnologia VTEX, a ArcelorMittal, líder mundial na produção de aço, e outros gigantes de diversos segmentos, como Braskem, Roche, PepsiCo e Royal Canin.
A opção pelo modelo híbrido, em vez do home office integral, não se deve apenas à melhoria da dinâmica de trabalho. Há uma preocupação genuína dos RHs com a conexão entre os funcionários e a empresa. É interessante diminuir o desembolso com a locação de espaços, mas igualmente importante manter algum contato para avaliar as condições físicas e mentais dos colaboradores. Mas trata-se de um movimento irreversível. Muitas companhias estão abordando nos seus contratos profissionais novas regras para o teletrabalho, como o fornecimento de equipamento, cadeiras e mesas ergonômicas, concessão ou cancelamento de benefícios e adequação de jornada.
Nos últimos meses, as boas empresas têm, de fato, se esforçado para cumprir esses requisitos, e a maioria delas certamente chegará a um modelo que seja adequado para o negócio em si e para a qualidade de vida dos colaboradores. “É um caminho sem volta, em que todas as partes têm de se ajustar”, diz Carlos Marui, sócio-diretor da Tredici, empresa especializada em recursos humanos. Superada a crise do coronavírus, o mercado precisará agir para evitar outra pandemia — a de colapsos emocionais. Felizmente, isso já vem sendo feito.
Publicado em VEJA de 28 de abril de 2021, edição nº 2735